quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Silêncio de papel

O clima é infando. O ambiente está impregnado de uma batida e luzes que são percebidos há metros de distância, e que contagiam, que atraem os sentidos e molestam o corriqueiro. É a entrada do sítio Happy Land, em Itaboraí, a aproximadamente uma hora e meia do Rio de Janeiro, onde se dará a Tribe Rio, uma festa rave que é organizada há 7 anos. A maioria esmagadora das pessoas vai para dançar à batida metalizada. Mas nem todas lá se reunem com o mesmo propósito.
O caso ilustrativo é a trágica morte do menor Lucas Maioriano Francesco, 17 anos, de overdose. Tendo em mãos uma carteira de identidade adulterada, o jovem ingressa na festa, onde teria consumido as susbstâncias que o levaram ao óbito. A ocorrência de um acidente no Recreio dos Bandeirantes também está ligada à festa. Para finalizar, uma quadrilha de classe média foi capturada na Zona Sul do Rio, também associada à rave, fora os 18 hospitalizados com suspeitas de intoxicação, nos postos instalados nas proximidades do evento.
O jornal "O Dia" (como muitos outros) estampou, na sua matéria central, a manchete: "Fim da festa do tráfico", por Leslie Leitão, no dia 2 de novembro de 2007. Por si só, o título já se apresenta tendencioso, indiscriminando as pessoas que vão ao local para curtir o som, pela configuração que mescla o bucolismo e a psicodelia. Ao cerne da reportagem, se utilizando da parca riqueza estilística característica da mídia sensacionalista, a agressiva frase "[...]o estudante de direito Eduardo [...], 26 anos, foi um dos 3 presos que participaram da "festa das drogas"[...]" denota ainda mais a feroz distorção e alienação que se promove em torno de acontecimentos isolados, quando não esporádicos ligados à festas que são freqüentadas por pessoas de classe média e classe média alta. Noutra página, "Retrato de uma geração" é uma continuação do que a mensagem inicial se destina: "propagar a má imagem das raves para as pessoas menos esclarecidas, que se contentam com informações baratas de jornais cujo propósito visa tão somente o lucro, pouco atinando-se à qualidade da notícia que será disseminada para seu perigoso público alvo, que é o expresso; que repassará tais fatos sem dar importância à sua veracidade, assim contribuindo para a marginalização desse tipo de evento.
Em países como Darfur, África, onde os órfãos da guerra civil constante são cada vez mais crescentes, é comum que os comandantes vitoriosos de exércitos e mílicias usem estas crianças para favorecê-los em combate, criando infantarias inteiras. Para tal feito, dopam as mesmas com toda a sorte de alucinógenos e depressivos, que tão cedo já conhecem a violência do continente à margem da "globalização", não tendo escolha ou voz. No entanto, não existem conflitos nesse grau dentro das raves, consoante ninguém é obriga as pessoas a se drogarem.
As drogas estão lá, e existem em qualquer lugar. Raves não são excessão. Assim como nelas, essas substâncias marcam presença nas micaretas, chopadas de faculdades, festas comuns, festas das altas rodas, festas de celebridades, em escritórios formais e etc. Elas estão lá como numa vitrine; e você pode usá-las ou não, basta escolher - ou ter poder aquisitivo para obtê-las. Não, este texto não se propõe a defender o consumo de drogas, mas expõe o lógico: que trata-se de uma grandicíssima hipocrisia da nossa sociedade tentar manchar a imagem das festas de música eletrônica, por alegar o consumo irrefreável de drogas sintéticas. Com certeza, a mídia é um agente muitíssimo eficiente na corroboração desta mensagem, que vem a influenciar muitas pessoas que passam a ver estas festas com o negativismo frívolo que lhes é incutido por indivíduos inescrupulosos.
Nos conhecidos bailes-funk, que são a válvula de escape de muitos moradores de favelas, a concentração de drogas e do tráfico propriamente dito é muito superior que em qualquer rave. A diferença está na tabelagem. As drogas sintéticas, como o ecstasy, por exemplo, podem chegar à impressionante cifra de R$50,00 por unidade e o ácido, até R$500,00 por cartela; ao que uma trouxinha de maconha não passa de R$2,00. No entanto, isso não torna a maconha uma droga menos perigosa, visto que é também capaz de desenvolver a dependência em seus usuários, ainda que em um grau menor em relação aos sintéticos. A partir destas informações, é possível descobrir onde mora o jornalismo oportunista: também morrem pessoas em bailes de favela, e isso aos montes, seja pelo uso de drogas como por operações entre bandidos e policiais. Acontece que não vende falar da morte daqueles que ocupam o último nível das castas. Mais rentável mesmo é explorar, com bastante condolência e alerta, a passagem dos belos e endinheirados jovens que se entregam ao vício, tanto dentro como fora de raves. Mais interessante mesmo é que morram dentro das raves. A notícia vende mais.
Belas as lágrimas de crocodilo que a mídia em geral chora pela morte de Lucas Maioriano. Tão sentimentais quanto as que secreta pelas vítimas do tráfico, na favela ali ao lado.

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