quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Sempiterno sonho - carta a Fidel Castro

Como de costume, quando a VEJA atacou Che, escrevi uma carta como se o mesmo pudesse lê-la.
Como sinto os deslavados ataques à figura de Fidel, pus me a escrever uma carta-desabafo, que muito gostaria que chegasse a seus olhos.

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Bate a onda sobre a pedra, na encosta. A onda é eterna, e a cada revolução, parece fortalecer-se, com uma missão: a dissolução desta pedra. A pedra, relutante e teimosa, conhece sua resistência; e sabe que se fragmenta a cada golpe. Que desintegra-se, lentamente, até perder seu aspecto inicial. Um dia, a pedra sabe que há de sucumbir. Mas deixará, nas ondas, a marca de sua passagem.
Muitos homens são como esta pedra. Uns muito resistentes, outros porém, fracos e entreguistas. Dentre estes homens-rocha, te encontro. E vejo que as ondas cansam-te devagar, como tem de ser.
Ontem o mundo acordou com uma outra impressão a teu respeito. Como se as ondas que me refiro já o tivessem levado com elas. Tolo mundo, que não sabe das tuas reservas e das coisas incríveis que estão por vir. Precipitadas as pessoas que desconhecem a tua bravura e deixam se levar por notas frívolas de jornais, ai delas, que muito ainda vão ouvir teu nome. O teu nome, que nunca veio dissociado da tua história e da tua tão hipnótica pátria. O nome fiel aos princípios mais elementares de um homem: o dever, a coragem e a honra.
Mostraste ao mundo uma proposta diferente de gestão. E todo pioneirismo está sujeito ao progresso, ao erro, à glória. E ainda, apesar de toda sorte de intervenções por parte daquela potência, permanceste rijo. Fixo. Imiscível. Tua respiração é, ainda, a mais pungente afronta sobre o orgulho vão daqueles cuja imoralidade e hipocrisia são as palavras de ordem. Os mesmos que não puderam freá-lo nem dobrá-lo por embargos, subornos, atentados.
Me orgulho de ti, como quem sente no teu pulso firme um exemplo para todo um continente, já tá maculado pela fúria dos colonizadores de ontem e de hoje. E me enojo cada vez que me dou conta do séquito de vendidos que não fariam a metade dos teus feitos a tentarem difamá-lo com iniqüidades, a fim de extinguir com um gesto tão banal, toda a tua luta e a de muitos companheiros.
Inauguraste a era das mudanças para a América Latina, e o mais importante é que jamais deixemos, assim como as futuras gerações, que a essência deste fundamento se perca no tempo, dada a sua importância do corredor da história. É de nossa responsabilidade tornar o teu sonho, e o de muitos outros bravos, concreto, vendo florescer a partir do sangue e do sacrifício, as flores que guardam dias mais verdes.
És exatamente como a pedra do início do texto. As ondas nada são além do tempo, e sua implacável ação não de destruição; mas de transformação. Pois todas as coisas positivas no mundo são efêmeras, porém o seu sentido difunde-se para sempre, onde quer quer elas atuem.
Caríssimo, há de chegar a manhã em que celebraremos a vitória que por hora nos é negligenciada. Portanto, nada acabou. Trata-se apenas de um ciclo.
VIVA FIDEL, VIVA CUBA, VIVA A AMÉRICA LATINA.

Ana Líbia, 20 de fevereiro de 2008.

Pensamentos sobre a "renúncia"

O dia de hoje é uma derrota parcial para Cuba. Acotovela-se a mídia, à procura da última nota; deliram liberais Brasil e mundo afora. Fidel sai do poder.
Questões de saúde afastam esse herói da resistência cubana, de ontem e de hoje, de seu lugar de direito, que é a ocupar o cetro do controle da Ilha. Um dia teria de acontecer, pois, como qualquer mortal, Fidel tem um limite. E Fidel está sujeito a enfermidades.
As direitas de todo o mundo veêm na "renúncia" de Fidel mais que um fato; mas um subsídio iconográfico para a posterior aplicação de um dos mais dúbios dos conceitos já inventados: a democracia. Já comenta-se que agora Cuba viverá dias de paz e liberdade, que as pessoas poderão expressar-se sem temer a censura. Porém, a maioria daqueles que afirmam tais dizeres estão como meros espectadores de um sistema que os jornais dizem alienar o povo de seus direitos, e lançá-los abaixo da linha de pobreza.
Estranho ou não, a satisfação dos cubanos, nunca trazidas a lume em relação ao Fidelismo é sempre maior que as fartamente noticiadas fugas do local. Nesta terra de opressão, as crianças têm o que comer, o que vestir, um teto e um dos melhores ensinos da América Latina. Os cidadãos cubanos têm, à disposição, a medicina reconhecida como a melhor da humanidade. Não, não se têm carros de luxo ou moradas exorbitantemente grandes, afinal, esta idéia de grandiosidade excessiva faz parte da lógica de um sistema onde vigora, muito antes do ser humano e seus feitos, o valor de suas posses. Há bairros pobres em Cuba, como há bairros pobres no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. Mas em Cuba, é espanto.
A lucidez e a coragem de Fidel na regência de sua terra era o maior dos opróbrios ao orgulho dos Estados Unidos, que, sucessivas falhas, tomba diante da imutável fortaleza cubana, pós-embargo, pós-golpe, invasão pós invasão. Com toda a sorte de imiscuições feitas, vide Emenda Platt, Fidel estava lá, ordenando que viessem.
E talvez de tão teimoso e de tão perigosa que tem sido a odisséia de reger uma terra amada, uma terra tão verdadeiramente amada, que tenha dado certo. Apesar de todas as vicissitudes comuns à toda inovação, apesar dos erros e das perdas; deu certo, e Cuba virou exemplo de educação, de saúde pública, de igualdade social. Suas sementes pela América se fazem ouvir, ainda que rotuladas de "ameaça à ordem", "loucas". Afinal, todo questionamento é um desconforto, e o que desconforta, incomoda.
A mídia vigente tem em suas mãos a mais brilhante ferramenta para alienar as pessoas: a deturpação. E assim, perpetuar essa sensação de falso conforto, bem como inclinar as pessoas a pensarem que nada se pode mudar a partir de uma simples idéia. Assim a grande mídia age com o ínclito nome de Fidel; assim fez a VEJA com o nome de Ernesto, e assim continuará agindo, se por trás de um jornalismo cada vez mais inconspícuo e reacionário o povo ficar à margem da verdade.
A democracia deve ser encarada como algo mais que voz, mas como condições igualitárias para toda uma comunidade. E tão paradoxal é o discurso liberal, que prega a mesma construindo um sem número de fossos urbano-sociais...

Ana Líbia dos Reis Fernandes, 19 de fevereiro de 2008