sábado, 1 de junho de 2019

Amor-de-aqui

Estou pensando em escrever um poema de amor profundo
como tantos outros
vou desembrulhando palavras
cavuco o avesso
monto o verso

Tateio com as aranhas do pensamento tuas hesitações de charles manson
ali mansinhas
no canto negro do olho
no ponto cego do recorte desse frame pleno
na sala de estar
teu sorriso de monalisa a dois
pesados quilômetros no mesmo sofá

Perscruto - só uma palavra
tão feia para um ato tão ignóbil -
Perscruto com ignóbeis pinças uma forma
a forma
de te fazer gritar
de te expurgar a raiva
mais me interessa a dor visível nessas horas
que vem com água e dispensa
a formalidade cordial das despedidas

(você sabe que sempre gostei das violências)

problemas astrológicos
o tempo, sempre Ele
10 anos ou 6 meses e esta tarde
é cedo ainda
na vida gentil dos intervalos
gratidão, diz a Internet
em verdade o grande mantra
que deveria forrar o chão da experiência
nessa tarde com metálico gosto
de ponto cirúrgico
na qual o tempo se organiza
com a mesma exatidão que nascem as estrelas

Eu ainda penso em escrever um poema de amor sincero
E despido de vaidade
e tudo o que encontro no caminho
são os escombros de expectativas mal plantadas
Regadas com a água doce do desejo
O desejo fino de inaugurar um mundo
O desejo legítimo de inaugurar um mundo
Vão saber os deuses
E estetas da métrica
Não é esse o amor?

Não é esse o amor que me aturdiu
Que abriu no céu de novembro a luz
bela e agressiva das tempestades?
Não é esse o amor que enfeita esperas
que não conhece oponente à altura?

Eu pensei em escrever um poema de amor-de-aqui
aqui é o lugar que conheço
aqui pode ser profundo e sincero
e talvez o tenha encontrado como encontrei
tudo aquilo que não procurei
são evoluídas as coisas que surgem sem propósito
com a mesma exatidão que nascem as estrelas.