segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Rio de Janeiro, 31 de outubro de 2016

os crucifixos brilhando sobre as encruzilhadas da cidade
o trem descarrilou ao norte
sob um sol de quase quarenta graus

uma pipa agarrada na fiação do dia 01
as crianças na rua discutindo o que de longe
vira outra língua
(não é o pasteurizado de vozes, de fato,
a língua dos anjos
que língua é essa?)

religiosidade, se os santos do dia anterior
ainda voam nas ruas
estranhamente normais, e vazias
dizem do epicentro
que é nele sentido a maior descarga
de dor

uma mancha de homens coloridos abarrota as centrais
seus uniformes e olhares
espirais
e um aspirar preso nas bocas por sob
o suor dos buços
passa um outro homem e rompe a marcha e na mão dele
amendoim dois é um real e pra quem gosta de doce,
kitkat
no sorriso obrigado dos dias,
troco.

a paleta variada das rodelas já gastas
à infinita pressão do tempo tão logo se despedaçam
nas pilastras, nos postes, nas bancas de jornal
nas camisas não-lavadas, no teatro municipal

uma mulher recosta os cabelos crespos
no vidro do ônibus
com os pés equilibra
uma bolsa puída
guardando as cores de mil esmaltes
na cabeça equilibra
mil problemas

a viúva negra
no dia das bruxas
foi levada a inquérito
enquanto há calor nas areias das praias
matebiscoitogloboaplausosarpoadorttburguerfacebookgarotasdeipanema

já se fazem especulações
das próximas fantasias de carnaval
religiosidade, se os santos do dia anterior
ainda voam nas ruas
se os crucifixos machucam
as encruzilhadas
com toda a sua luz
cristo vive
o homem reina
amém?

indiferentes e plácidas
as flores vadias nas árvores mal cultivadas
dos canteiros urbanos
arrebentam no fim da primavera
aos olhos de ninguém.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

quantas poesias não são
diariamente perdidas
diariamente não nascem
porque os matemáticos,
desde ramanujan até
os calouros
do instituto de massachussets
não quiseram
não souberam
entrar nas palavras?

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Questionamento

na praça tiradentes
e na rua do ouvidor
pelos depósitos da cidade
esquinas que pleiboi não pisa

ilha do governador
samba do trabalhador
cadê você, ô meu amor

te percebo na ausência
por saber onde você está
na espera do ônibus
que custa uma manhã
pra chegar

não tem mais teu nome
na boca da roda
não tem mais piada tua
zombando da nova moda

por saber onde você está
te percebo na ausência
não é mais sobre amar
é sobre bem-querência

bar da cachaça, bar no nanam,
bdp
vazia a rua não está
mas falta um quê
na praça mauá
ou na da harmonia

meu amor, cadê você

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

sem título

os prédios refletem o humor das cidades
tossindo
entre um café e outro
numa quinta-feira de cinzas

do outro lado
tratores mastigam a rosa da terra
abrem essa fenda
funda
donde espirram cores fofas
muitas vezes sufixadas
tentativa de multiplicação - a terra é próspera

a magreza dos eucaliptos até lembra vagamente
tuas canelas
se os eucaliptos pudessem
marchariam
arregimentados
khmer verde
você, não
apesar de que, ah,
tão taurino

uma cerca branca lá longe
marca a distância pro céu e o céu está
onde
nenhum carro ônibus barco avião
qualquer coisa que não seja feita
de sangue
possa entrar

engrenagens não se arriscam
no íngreme de algumas escadas

a noite entrando no rabo da tarde
parece um pequeno fim do mundo toda vez
uma vez eu te perguntei
para onde você iria na iminência do desastre
você respondeu
hollywood

os prédios
tombando, em sequência
como dominós

ma(i)s nada está objetivamente acontecendo.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Nó cego

diz-se que um
nó cego
deve ser aprendido para
nunca ser usado

como aqueles conhecimentos
pontuais e indispensáveis
todos aprendidos
na quarta-série

nó cego é o que acontece
depois de dois nós simples
nivelados em linha reta
num beijo horizontal

dentro do nó
a luz não entra
não pode crescer
uma árvore ou
um bebê

um nó cego deve ser aprendido para nunca ser usado
mas uma vez que se diga
nunca
a vontade já se fez

não há luz;
apenas um beijo
no horizonte -
somos nós
cegos.

colaborou: Danilo Crespo

domingo, 2 de outubro de 2016

Cândida psicossomática

cândida psicossomática
tem esse sal chupando
as águas moles
vivas
que o sal salga e rasga
e estereliza

coceira
alergia

você tem os joelhos feridos de tropeçar nas granadas
e a água gelada tocando
a face ensanguentada dos joelhos
cândida psicossomática
foi como queimar teu corpo com sal

sei que você roça a carne interna das coisas
e também das coxas
porque não consegue dormir

cândida psicossomática
um dia vai verter do útero
uma pérola
a romper o sangue e a insistência
uma extraordinária pérola
completamente lisa
completamente pérola
que estava esperando, melancólica como trier

atrás dos fluxos da menstruação
pra nascer

para liv lagerblad e ana carolina assis