quinta-feira, 26 de março de 2015

A beleza é perene

Tantos dizem da beleza passageira
Beleza que é presságio
Do que da superfície não adensa
E que fica sempre suspensa

Beleza, a grande rainha do mundo,
Desde Homero saudada por todos os povos
Dona das reverências mais sinceras e desesperadas
Tantos dizem da beleza, com a beleza, pela beleza

A beleza nunca acaba: se transforma
Como muda o gelo a própria forma
Em cristal líquido se converte, mas mantendo o seu sentido
As suas paredes, a sua estrutura, a sua composição

A beleza nunca se dissipa: se multiplica
Se metamorfoseada em novas belezas
Vai ocupar novos corpos e novos tempos
E deixar pelo caminho elegias mais inspiradas

A beleza nunca morre: ela fica
Ela se recusa, e se debate: beleza não há quem prenda
À beleza caprichosa bálsamo, flor, oferenda
E mesmo enquanto objeto
Dentro de dois olhos não se comporta, mas explode
De tão plena

Absoluta, vibra entre as imagens, e se reverbera
Produzindo ecos próprios no corredor do tempo
Alia-se ao poder - flerte tão antigo -
A beleza deita, inerte, o mais irascível inimigo

Cochichos e falas miúdas
À beleza não atingem
Não sabem é que ri, a beleza,
De toda maledicência:
Sabendo-se maior que a pequenez do descrédito
A beleza com tédio atira
Pequenos dardos à grande pira

Tantos dizem da beleza passageira
Danada em si, tão sorrateira
Beleza despudorada e faceira
Ao que a própria ignora, solene:
A ingenuidade e a maldade com os homens caem
florescendo em verde grama;

A beleza é perene
A beleza é perene
A beleza é perene.

segunda-feira, 2 de março de 2015

As quatro paredes do rosto

Vomitei quando te vi pela segunda vez. Abri caminho com os braços, navegando entre as pessoas, para que você não me visse. Então vomitei. Fazia algumas semanas que não te via depois do seu sumiço - explicado - e o choque de ver você chegar misturou muitas coisas na minha cabeça.

Quando apaixonada, meu corpo experimenta sensações muito próxima às que sente alguém que está doente. São tonturas, pressão alta, ansiedade, intensificação da asma, arritmia; é todo um quadro de sintomas incrivelmente físicos. Se te vejo, eles eclodem vesuvianamente e em uníssono. Por mais que eu tenha tentado, ficou impossível disfarçar isso de você. E você acabou gostando de saber.

Olha, eu não sei amar direito, rapaz. O amor me deixa leve e me dá cansaço - até mais que isso, o amor me dá fadiga - e me faz dormir 8 horas por noite. Talvez o amor seja mesmo isso. Mas sei me apaixonar. Como ninguém. Vivo profunda e leoninamente grávida de paixões impossíveis, me rendo a todas elas quando na minha porta tocam campainha, presto continência e serviço, bato cabeça. É como se cada uma desnudasse um mundo novo e a minha eterna capacidade de ir ainda mais além dentro de mim. Me esqueço todas as lágrimas, e fórmulas, e precauções, e receitas, e ignoro todos os sinais de "pare" à minha frente. Controle nulo. Mas nunca fiz mal nenhum a ninguém por conta disso - a não ser, é claro, a mim. É que eu não resisto. É que eu simplesmente não resisto.

Você caminhou pela praça, com os olhos nas barraquinhas. Assinou uma petição, comprou uma camiseta vermelha, bebeu uma cerveja. E não me viu. Não deixei que me visse. Porque eu não sustento o peso dos teus olhos sobre mim. Porque eu não sustentaria seu bom humor galopante, seguida do seu abraço - minhas narinas ainda guardam o cheiro bom do seu abraço - e dos seus beijos no meu rosto. Nem por um minuto eu sustentaria. Ou, pelo menos, essa seria a versão contra-factual das coisas: quando você me viu, acenou e veio ao meu encontro, me abraçou e, meio sem jeito, me apresentou sua namorada nova, moça simpática.

Te sorri de volta e cumprimentei - sem contudo parar de sentir ondas de pequenas mortes percorrendo cada nervo meu.