sábado, 30 de março de 2013

Vida, morte e amor por Gus Van Sant


(Há muito, muito tempo não escrevo sobre cinema nesse blog. Talvez por perceber minha pequenez diante do assunto, talvez por ser relapsa com tudo. Mas o filme que assisti é tão repleto que me arrisco. Pode entrar, desculpe a bagunça.)

Há tempos escuto falar de Gus Van Sant. Que é o responsável por "Paranoid Park", pelo comentadíssimo "Milk", que traz Sean Penn no elenco dando um show de atuação, que dirigiu o "Psicose" reloaded de 98, e também "Encontrando Forrester". Honestamente, eu não vi nenhum desses filmes - Psicose, só vi o original - logo, eu me sinto ligeiramente desfavorecida, mas não impossibilitada de falar de seu mais recente longa, "Inquietos".



"Inquietos", de 2011, é um filme de amor. O objeto de seu pano de fundo não é assunto novo no cinema, mas é justamente a forma da qual Van Sant se vale para contar sua história que a diversifica e colore. No cerne do enredo, dois jovens perdidos  no mesmo enviroment, mas em direções opostas se cruzam, se conhecem, se percebem, se apaixonam. A mesma morte que os ligou, num primeiro contato, é a que vai fatalmente separá-los. Como, então, viver com a certeza da morte breve?

Parece que o filme nos manda uma mensagem subliminar de que, oras, é só isso o que fazemos enquanto vivemos: nós simplesmente vivemos esperando. A partir dessa premissa, vemos no filme a naturalização da morte: Enoch vai a funerais, tem um amigo fantasma, Annabel, sua namorada tem tumor no cérebro. Teríamos um filme meramente mórbido não fosse o talento desse diretor para mostrar que a morte também pode ser leve, afinal, ela  permeia todo o filme, tão subjacente que quase nos esquecemos dela. A chegada da morte não precisa ser trágica, porque é apenas uma etapa - o filme nos cutuca. Como nascer. Afinal, é assim tão importante pensar nela?

Ainda, a beleza de "Inquietos" mora na simplicidade, no cotidiano, na desnaturalização do comum, perceptível no olhar peculiar que Van Sant traz, por exemplo, dos personagens periféricos que são a representação das pessoas médias (prestar bastante atenção, por exemplo, à irmã de Annabel, Elizabeth), na exploração do inusitado, na cumplicidade entre Enoch e Annabel que conjuga suas estranhezas , incertezas e, a partir disso, cria uma forte afinidade. Mas tudo com despreocupação e tintas muito leves,  talvez pretensamente superficiais - dada a vastidão emocional dos personagens. Há um pouco do cliché 'salvação mútua' do casal, mas nada que comprometa a suavidade e a delicadeza que são os fio-condutores da trama.

Tecnicamente, o roteiro tem diálogos interessantes, ressemantizadores - observar, novamente, a questão da desnaturalização do comum - uma fotografia que conversa com as emoções dos envolvidos, e que, portanto, se alterna nos momentos do filme, e uma trilha sonora assinada pelo veterano Danny Elfman que conta com lirismo e introspecção e ainda tem um Lou Reed pra derreter corações, baixinho no pé do ouvido, que nos faz querer aninharmos ou nx namoradx ou nas almofadas.

Sim, Gus Van Sant fez um filme romântico. E fez também bem mais que isso.

sábado, 16 de março de 2013

Um rio

O Rio de Janeiro
tem tantos janeiros
tem tantos rios

tem, no meio da cidade
um café
onde se vendiam filmes de Pabst, Buster Keaton, Frank Capra,
Federico Fellini, Julio Bressane, Akira Kurosawa

mais filmes que café.

tem, num outro canto no meio da cidade
um Zé Pequeno não-ficcional
que tem uma camisa encardida e pede por um real

mais real que muito zé.


Dentro do olho



Tem uma
dançarina de
flamenco
cujas saias
voam e pousam
dentro
do olho.

Tem um
oceano de
fibras finas
com micropeixes
nadando presos
dentro
do olho.

Tem uma
cratera cercada
de areia
quente e movediça
dentro do olho.

Tem um
vale de
outro mundo
esperando um
curioso cair
nas águas
escuras e viscosas
de seu lago

dentro
do
olho.