domingo, 27 de maio de 2012

Verdinho e Verdão

Não vejo graça
nas árvores domesticadas
humanas e bem podadas
ornamentando praças
shoppings
hospitais.
Deprimidos vegetais
suas folhas disciplinadas
Importadas
desvinculadas da terra que
as pariu
Artificiais.

Belas e bem-aventuras
as árvores selvagens
antigas, maduras
férteis feito corpo de mulher
entre cujas folhas
sussurram ventos sexuais
irrompendo das calçadas
reclamando seu lugar
no seio do concreto fundo
crescendo rebeldes
no perímetro que desejam:
por elas respira o mundo.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Dancing ashes


Dancing ashes
by the shore
dancing in the air
dying on the floor

What kind of strange wind
Brought them together
in such a cold weather?
dancing ashes, lost souls.

Dancing ashes
suspended by the beauty
of an early winter
seconds before touching the grass.

as ashes born dead
how long do they really last?

terça-feira, 24 de abril de 2012

Os olhos secretos de Patrícia Aira - Shopping




Eu acho engraçado shopping. Sempre achei. Acho que é um terreno fértil pra realizar algumas dúzias de análises sociológicas, ideológicas, culturais, artísticas, etc e tal. Mas a verdade, o que eu acho mesmo, é que todo shopping é um grande zoológico. Uma feira onde quem grita mais leva o cliente. Um crash de gente - em sua maioria desnorteada até os ossos - pra lá e pra cá, feito ratos de laboratório, estranhos. Passa uma loira. Passam duas loiras. Passa uma criança deficiente. Passa uma família feliz, a mãe cheia de sacolas. Passa um obeso só. Passam três adolescentes muito magras.
As lojas estão sempre cheias. Aliás, esse fluxo incessante de transeuntes é o que edifica as paredes do shopping. Os vendedores e os seus sorrisos automáticos. As araras mostrando a pele nua do seu ombro, olhando pra você. Mas algumas lojas parecem labirintos. Outras parecem areia-movediça de filme de Indiana Jones. As pessoas estão sempre conversando, palpitando, convencendo, vendendo. As pessoas não param.
Praça de alimentação. Acredito que se produza, num único dia, numa única praça de alimentação de shopping, o suficiente para alimentar uma comunidade inteira. Mas o destino de toda essa comida são os estômagos já satisfeitos e podres ou os imensos depósitos de lixo mais próximos. Ainda assim, a barbárie do desperdício não só tem fim como é estimulada nas campanhas coloridas milionárias das maiores redes de fast-food do mundo, restaurantes médios, entre outros da mesma ordem. E a ordem é: EAT! Um menino cobre seu sanduíche com uma imensa camada de molho. Um pai ensina à filha como comer mais devagar. Numa mesa de amigos, aposta-se quem consegue comer mais. Um funcionário limpa a eterna sujeira que gruda no chão todos os dias. Ninguém o vê, ninguém o agradece - afinal, ele é pago para isso.
Todo shopping é, afinal, um cartoon enorme. Uma decupagem gigantesca de coisas aleatórias, coisas de várias naturezas, úteis, dispensáveis. O capitalismo vivo, materializado, supradimensionado, a grande maravilha moderna, máquina de fazer gente feliz. Eficiente redoma psicológica.
Mas é ao sair dele que experimento uma sensação estranha de incômodo, melancolia e liberdade.

quarta-feira, 14 de março de 2012

A penúltima panorâmica

 Se você um dia
 se sentar sob a grama rala
 das encostas que estrategicamente se abrigam
 das águas mansas da cidade de Niterói
 e girar em torno do próprio eixo
 você vai ver

 um forte
 uma ponte
 uns prédios
 umas montanhas
 uma obra da engenharia
 que liga essas montanhas
 e outras montanhas

 devidamente emoldurados por

 barcos pequenos
 um céu cheio da chuva que ainda não caiu
 e as águas prateadas
 mansas e prateadas
 sob o morno sol de março
 da cidade de Niterói.

A Dali tree

Primeiro era uma entidade indiana de muitos braços, com cabeça de elefante, que bailava sobre uma perna longilínea enquanto a outra estava suspensa pelo equilíbrio teso de quem passou muitos anos fazendo pliés perfeitos.

Depois era um imperioso espírito da floresta, com um rosto austero, encarando uma intruso que pretendia exterminá-lo. Tinha cabelos revoltos, para intencionalmente assustar seus agressores, mas seu interior abrigaria passarinhos.

Finalmente, era uma árvore qualquer, que havia nascido por acaso, a fazer sombra nos dias quentes para que sob sua copa se sentassem pessoas para uma leitura qualquer, num canto qualquer da universidade.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Em 29 de fevereiro

Casem com o melhor amigo, comprem bicicletas, atirem-se do prédio, corram no meio da pista, beijem na boca de um estranho, declarem amor ou ódio, digam uma coisa que nunca disseram antes, escutem uma música que nunca escutaram antes, fiquem nus na janela e dancem,  plantem um filho, colham uma cenoura, falem com um desafeto, pintem as paredes do quarto de roxo, roubem um banco, peçam desculpas, joguem no bicho, xinguem seus chefes, vão à praia de terno, queimem o jornal de ontem, pisem na grama, cortem o cabelo, coloquem um piercing na língua. 

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A menina mais bonita do mundo

A menina mais bonita do mundo vai passar nessa esquina em cinco minutos. ¹

 ²

A outra menina mais bonita do mundo está deixando um supermercado apressada e meio desajeitada, com umas sacolas pesadas na mão esquerda enquanto um fio de suor lhe corre a testa. A outra ensina a prima mais nova, outra futura menina mais bonita do mundo, a pular corda. Já uma outra dedica duas horas do seu dia num livro de capa azul por detrás de uns óculos de aros grossos. Em outro canto do mundo, outra menina mais bonita do mundo só tem seus olhos castanhos à mostra. Uma outra menina mais bonita do mundo eu vi outro dia na praia, puxando delicadamente o biquini para fora do bumbum, retirando a areia.
A menina mais bonita do mundo subiu em cima de uma balança e não gostou do que viu. A menina mais bonita do mundo está pondo o lixo para fora de casa enfiada num short jeans surrado que ganhou há mais de cinco anos. Outra menina, também a mais bonita do mundo, está chorando porque vai chegar atrasada na sua primeira entrevista de emprego. Uma outra chegou com muito calor da rua, tirou toda a roupa e está andando nua pela casa. Abriu a geladeira e tomou água no gargalo da garrafa.
A menina mais bonita do mundo passeou com o cachorro hoje cedo, deu-lhe de comer e dormiu depois, enquanto outra menina, ao mesmo tempo, levou um tombo e machucou a perna. Há outra menina mais bonita do mundo dentro do ônibus escutando uma música em um outro idioma, uma que está tomando banho de chuva e imaginando que a água que cai pelo seu corpo sãos os milhares de beijos gelados de seu namorado, e também uma, que mora no final da sua rua e que ontem comprou uma blusa de algodão e experimentou-a quando chegou em casa.
Nenhuma delas saiu numa dessas revistas de meninas mais bonitas do mundo, e todas elas estão respirando enquanto você lê este texto.

1 - O texto surgiu a partir da frase de um amigo, a primeira que aparece.
2 - A menina mais bonita do mundo na foto chama-se Mayara Duarte de Moraes.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Casa de bonecas

Pela janelinha aberta adentrava-se o mundo onírico da casa de bonecas. Um sonho de Dali. Ou seria... de Alice? Importava menos que a gula dos sentidos. Os olhos, o nariz e a boca ficavam do tamanho que a gente quisesse diante do espelho craquelado por dentro. Numa gaveta havia óculos que haviam pertencido a outra pessoa, uma fita métrica que serpenteou perigosamente quando ouriçada, uma pequena caixa com linha, agulhas e um tecido quadriculado que o tempo esqueceu delicadamente dobrado na forma de triângulo.
Eu era um gigante invasor e desengonçado na pequenez dos detalhes.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A grande perna

Bem no meio
da autoestrada
Existe uma perna
Longilínea, sensual
Convidando ao acidente.



Bem no meio
da autoestrada
Existe uma perna
Provocando todo mundo
e passando despercebida
por tanta gente.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Muros baixos

Os vira-latas ladravam toda noite na rua da praia. As casas nessa rua eram grandes, mas tinham muros baixos.
A maldade ainda não havia chegado.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Banksy's real name

Difundir melancolia como se fosse filosofia
Arrancar flores como se fossem cabelos
Tecer comentários como se fossem prenda
Romper hímen como se fosse passagem
Trancar livros como se fossem portas
Colecionar amores como se fossem carros
Tomar as dores como se fossem suco
Estar como se fosse estrela
Transar corpos como se fossem discos
Roubar goiabas como se fossem coração

Mas não são. Não são.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Música para Marcel Duchamp

Aponta a lança da íris para as janelas.
Cai um alfinete. Passa um fio d'água sinuoso pela parede.
Um copo de vidro de estilhaça no chão.
Silêncio.

O compasso perturbador das coisas inanimadas.
Inanimadas?

http://www.youtube.com/watch?v=VdWS4g6Xv8k

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Vouyer

Um homem e uma mulher se beijam no muro de uma rua escura. Observo.
Lembrei de um dia que vivi.