terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Saúde é tudo?



Cresci ouvindo, por todos os cantos, que saúde é tudo. Essa é a máxima da minha avó, da minha mãe, e de todos os outros. Realmente. Saúde é muito importante. Ela que permite que gozemos dos momentos com intensidade. Que nos desloquemos para cá e para lá, que corramos em busca do que queremos, ou mesmo qualquer coisa. Um corpo sadio e são é uma dádiva que passa despercebida todos os dias. Mas saúde é tudo?
Tenho lá minhas ressalvas quanto à essa afirmação. Há pessoas visivelmente saudáveis com péssima qualidade de vida, e não está aqui embutida qualquer menção à condição econômica das mesmas. Gente com a vida em frangalhos. Pessoas com cabeça, braços, pernas, pés e coração perfeito batendo à toa, isso dói. Renato não poderia ter sido mais preciso. Há milhões de indivíduos vagando por aí com 100% de saúde e 0 de perspectiva, não é difícil de ver. Portadores das piores patologias; gente doente de rancor, inveja, tédio, culpa, desamor, e com as veias, artérias e todo o inferno pulsando, como um búfalo selvagem, em excelente estado.
E o que dizer daqueles que não têm exatamente a saúde tinindo e são capazes dos maiores feitos? A história me ampara: Betinho, Henfil, Frida Khalo, Che Guevara, e tantos mais que apesar de razoáveis a dantescas limitações físicas, não deixaram de viver intensamente - e iluminar, e fazer diferença no mundo - a despeito mentirosas estimativas. Gente aos montes, que provam que o 'tudo' vai além de boa capacidade respiratória, boa condição metabólica, bons referenciais estatísticos emitidos anualmente pela OMS.
Saúde é tudo? E o que é tudo? O 'tudo' que se associa à saúde me soa muito pequeno e reducionista; uma visão conformista e empoeirada do que é a realidade e o que se deve fazer com ela. E, acima de 'tudo', está o medo: as pessoas que zelam excessivamente pela saúde têm pânico da idéia da morte. Esse tudo não me serve, não me veste. O meu tudo compõe-se de todas as dores, microorganismos e belezas que posso mordiscar do mundo. Pisar descalça um chão de lama, sorriso de neném, comer fruta do pé, um cigarro num fim de tarde chuvoso. E se eu tiver deixado minha carne algo antes dos 50, não haverá sido por falta de juízo, saúde ou aviso; mas por fome duma vida plena.