terça-feira, 19 de abril de 2016

Into the void

Infiel.

Alcunha mais precisa não haveria diante do quente sono interno, inadvertido e involuntário que sequestrou o mundo conhecido, porque sendo a cabeça misteriosa, eu não sei tudo o que tem dentro dela. Da minha, eu digo. Antes do sono, a cabeça, a minha cabeça, escondeu de mim meu nome e o dia em que nasci e outros demais algarismos socialmente importantes. Como pode a gente não conhecer a própria cabeça, e a cabeça se insurgir assim; como pode uma cabeça - a nossa - conspirar segredos sinápticos contra nós?

Então houve agulhas procurando as veias difíceis e agulhas também nos olhos enormes da mãe que, apagadas senhas legitimatórias, não mais reconhecia aquela criatura esvaziada de olhos moles contra as luzes defronte a insolúveis testes elementares. Escreva seu nome. Quantos anos você tem? Desenhe um relógio. Repita comigo.

Tudo trancado por dentro.

Filetes discretos de sangue rosado correndo nos pequenos tubos de plástico nas dobras dementes dos braços. Você vai ficar bem, mas de alguma maneira estranha eu ainda não me sentia mal, porque para esse tipo de experimentação é preciso uma consciência, e eu não tinha idéia de para onde a minha havia debandado. Era possível ver o mal, um mal que estilhaça o coração dentro dos olhos, entremeado da candura desesperada que só conhecem aqueles que se sentem próximos de soltar para sempre a mão de quem amam. Mas o sono de dentro alienava o corpo, falente da própria condição, e dentro da boca débil das letras mal mastigadas, dentro do vácuo da inconsciência, sempre existe uma vontade amarrada que ainda respira forte e se debate com violência para acordar o corpo e fazê-lo sentir qualquer coisa. São os peixes que dormem de olhos abertos.

O vazio tem cor de marfim, música de John Cage e muitas portas que se abrem de maneiras diferentes e muitas câmaras e espaços que doem de maneiras diferentes brincando, como crianças mal-intencionadas, de fazer o corpo de intermédio de maravilhas modernas de variados tamanhos e formatos. O tempo é todo feito de durantes e pontas de narizes e hálitos únicos. Interessante a dinâmica do corpo sob a pressão dos durantes até que o sono destranque da boca o silêncio da cognição e desamarre também os invisíveis cadarços das mãos, dos pés, e a sensibilidade pela vida volta a se fazer sentir pelas mesmas ondas elétricas que antes eram o prenúncio do sono. Todo corpo acorda num pulso, porque um pulso implica um corpo. Do primeiro ao último, o corpo é pulso. A história volta a existir, quebrada por uma lacuna sem reparo, mas volta a existir.

Eu não sei tudo o que tem dentro da minha cabeça, porque a minha cabeça é misteriosa. Hoje, ela bate todos os dias, se pensando coração, de saudades do vazio.



segunda-feira, 11 de abril de 2016

domingo, 10 de abril de 2016

Em cada condomínio

Em cada condomínio
por certo há um manicômio

todo dominado

no olhar concreto
de gente sã, sã, sã

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Metáfora do posto de gasolina

Constava no letreiro do posto de gasolina

"Não trabalhamos com fila única, escolha sua fila."

Não tendo lido o "não"
Por descuido ou por lirismo

Achei uma boa metáfora para o liberalismo.

Encantamento

pendurava teus olhares no varal
pra ficar infinitamente olhando pra eles
me olhando

-- mesmo quando tu me baixavas os cílios
bastavam os cílios


destino,
empecilhos


Para Diogo