terça-feira, 16 de junho de 2015

eu só sei que fui atravessada inteira por um bonde e o bonde vinha dos seus olhos curiosos e até incrédulos quando eu fiquei ali parada do seu lado e você só tomou consciência de que aquela mulher era eu quando perguntei aceita cartão à recepcionista você ficou me olhando como quem olha para um fantasma ou qualquer outra coisa não-definível e eu fiquei te olhando como quem olha para um fantasma ou qualquer outra coisa não-definível e entre um fantasma e outro se detiveram cinco segundos intermináveis que iam se desmanchando numa velocidade loucamente ambígua conforme caíam sobre sua barba purpurinada sua cabeça purpurinada seu olhar purpurinado e o excesso de luz cegou meus olhos e cegou minha boca e secou meus olhos e secou minha boca e tudo o que ficou guardado secando ao longo de três pointless meses me voltou numa enxurrada impiedosa e incontinente pelo nosso silêncio gritante pela nossa completa imobilidade pela nossa total incapacidade de esboçar qualquer reação além dessa materialização escrota que serviu de resposta a esse intervalo de três meses em que desapareceram os sorrisos os pratos vegetarianos as músicas de belchior os beijos na minha vulva e tudo o mais que pareceu um dia ser o prenúncio do céu num simples quarto a três quadras da estação saens pena.