segunda-feira, 20 de abril de 2015

Relação de importâncias

Antes era o teu cheiro
Chegando, selvagem
Abrindo caminho pelos pêlos
Do meu nariz

Hoje, bem mais gostoso
É o cheiro não teu
Mas de um bom feijão fresco
Que me deixa feliz.

sábado, 18 de abril de 2015

Perguntas de um milhão de dólares

Das minhas maiores curiosidades, entender o tempo é uma delas. Todas aquelas teorias fisicoquânticas eu acompanhei sem muito sucesso. Quantos anos envelheci em seis anos? Me peguei pensando. Quantos fios de cabelo eu perdi, quão amarelos meus dentes ficaram, quantas novas marcas eu ganhei no meu corpo? Me encontrei olhando uma fotografia em preto e branco de cinco pessoas desconhecidas em um carnaval. Sem razão aparente me detive naquela fotografia. A foto não era tão antiga, só tinha seis anos. Ou, caramba, já tinha seis anos. Quantos anos envelheci em seis anos?

A passagem do tempo não me incomoda. Juro. Mas o que me intriga é ser humana demais, e não perceber o tempo em sua horizontalidade. Basicamente é isso o que não me torna deus - se deus existir. Aliás, deve ser incrível observar o tempo sem recortes. Seria esse o único desejo para o gênio que nunca vai chegar. Aliás, se deus existir, ele vai ter que me responder um monte de coisas.

O tempo é elástico. É eterno. E é um. E eu me perco constantemente nos seus túneis. Relatividade. Olhar para as estrelas é olhar para o passado, já me disseram. Mas como é olhar fisicamente para o passado? É quando passa o grande amor da sua vida de mãos dadas com outra pessoa, e você lembra, um tanto resignada, porquê não era o grande amor da sua vida. Ou porquê foi. Pode se olhar para o horizonte, também. O horizonte, assim como as estrelas, sempre esteve lá. Ou para o tronco de uma sequóia, ou para o meu filho de dez anos.

Talvez matéria. Acho que a matéria é a resposta. Se a matéria é o tempo concreto, então, quando eu olho pra você, eu vejo o tempo, de alguma maneira. Talvez te entender seja, de alguma maneira, por mais arbitrária que seja, capturar e entender o tempo. E é bom acreditar nisso.

Obrigada.

Correspondentes

Você se lembra daquelas beliches em que a gente dormia no navio? Aquelas, com cortininhas? Hoje vi uma daquelas naquele antiquário lá perto da casa que a gente morou na Tijuca. Sei lá, pensei em te dizer. Me lembro de você abrindo e fechando as cortininhas, fingindo que era um mágico, cê sempre foi tão cheio de truques. Tava me lembrando daquela viagem há um tempo atrás. Se lembra também daquelas flores na escrivaninha? É engraçado que apesar de adorá-las, eu não me lembro delas, só lembro de você reclamando que eram muito feias e que era muito brega ter flores numa escrivaninha. É curioso gostar tanto de uma coisa e depois de um tempo perder a memória, como se aquela coisa nunca tivesse existido. Tenho medo disso às vezes, você sabe que o meu avô morreu de Alzheimer.

Aqui tem chovido bastante. Já é a segunda vez na semana que dá anúncio de ciclone na televisão. Sua carta demorou quase dois meses pra chegar, eu não sei porque você ainda insiste nisso, tendo facebook, e-mail, tudo. Pior é quando chega, já estou acostumado a abrir os envelopes e ter só dois parágrafos, um desperdício de dinheiro e tempo. Às vezes penso que você é louca, porque não é possível. Sério, por que você não faz um facebook? As coisas seriam tão mais fáceis. Eu tô bem, emagreci quase sete quilos. Veganizei agora. Tá difícil, mas eu me lembro do seu sorriso quando dizia que iria cogitar a ideia. Às vezes eu até chegava a achar que o branco do seu sorriso era porque você não comia carne. Saudade do seu sorriso.

Hoje fui à feira e soube que o filho do Manuel - aquele feirante simpático, você lembra? - morreu num acidente. Soube porque perguntei por ele. Cheguei em casa e não consegui comer nada. A morte é uma coisa assustadora.
Enquanto eu escrevo tem um gongolo andando perto da janela. É como desafiar o meu passado olhar pra esse bicho, acho que é a única coisa que eu não consigo desconstruir na vida. Não é o primeiro que eu vejo por aqui. Morte e gongolos. Os dois últimos medos que eu tenho. Não ando dormindo direito.

Até que dessa vez só demorou um mês pra carta chegar. Fiquei triste pela perda do Manuel. É sempre complicado isso, de perder alguém num acidente. Aqui eu tenho visto cada coisa, você não faz idéia. As notícias que chegam pro Brasil não dão conta nem da metade. Na última chuva forte que teve um dos bairros ficou debaixo d'água, e eu soube que morreu gente lá. E nem mesmo com as enchentes os conflitos cessam. Vontade de ir embora às vezes. Perdi mais dois quilos. Tô me adaptando aos poucos. Minha barba tá quase igual à do Tom Hanks no "Náufrago". Eu tô todo quase igual ao Tom Hanks. Espero que você esteja bem.

Comecei as aulas de dança. Até que enfim! Tô feliz com isso, acho que vai adicionar leveza à minha vida. Que frase engraçada, "adicionar leveza". Também voltei a pensar no doutorado - você bem sabe que quando eu começo projetos, nunca começo um só. Outra coisa importante aconteceu. Voltei a falar com a minha irmã. Foi a maior caminhada da minha vida cruzar esses cinco quarteirões, é como se eu tivesse andando pela primeira vez em dez anos. Ela teve um bebê, e eu não sabia. Me senti culpada, chorei o dia todo, mas agora estamos bem. Ela inclusive deve chegar daqui a pouco porque combinamos que hoje o almoço seria aqui. Comprei umas cenouras de um laranja tão vivo que se eu espremê-las acho que consigo pintar uma tela da Yoko. Minha mãe colocou à venda a casa em Maricá. Ninguém vai mais lá depois que meu avô morreu mesmo.

Que maravilha você ter voltado a falar com a sua irmã. E a notícia do doutorado também. Queria saber mais sobre isso, mas já sei como você é, tá tudo no nosso acordo. Hoje fui fotografar a cidade. O tempo ajudou, e fiz umas fotos incríveis que tô te mandando aqui na carta. A da menina de tranças é pra você. Sua mesmo. Teve um show numa praça movimentada que fica perto do lugar onde eu tô morando ontem, conheci um pessoal bacana. Não sei bem como você vai encarar isso, sinceramente acho que não tem problema te falar, mas eu fiquei com uma mulher lá. Na verdade, eu e essa mulher temos saído há algum tempo. E eu tô gostando dela. Sabe, eu esperei você por muito tempo. Você sabe que o que me trouxe pra cá não foi só o trabalho. Tô gostando mesmo da Diana. É claro que eu ainda penso em você, senão eu não tava aqui escrevendo, mas também acho que o que a gente viveu só tem lugar na memória mesmo. Não quero que você pense que tô te responsabilizando por tudo, mas eu acho que a gente podia ter tido outro destino, se você assim quisesse. Um beijo.

Comprei umas flores bem vistosas pra pôr na minha escrivaninha. Tem feito bastante sol por aqui.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Roleta Russa

Às vezes
Quase sem querer
Me encontro
Pensando
Que necessariamente passo
Pelo dia da minha morte
Ano
Após
Ano.

Haicai da Tranquilidade

Recentemente concluí
Que meu salário
E minha menstruação
Caem
No mesmo dia
Só pra me lembrar
Que o mínimo do razoável
Ainda está
No lugar.