segunda-feira, 24 de novembro de 2008

À Cyrill Connelly

Vou escrever. Vou me derramar. Vou contar tudo. Mas não abro mão de ser quem eu sou. Da minha escrita, que é só minha, irreproduzível, como a sua. Pode ser que ninguém venha aqui. Que ninguém venha, em meses, em anos. Mas vou escrever. Vou escrever.
Vou escrever porque é escrevendo que me encontro. Porque escrever me consola entre as vicissitudes da minha vida. Posso nunca alcançar o sucesso, nunca ser reconhecida pelo que faço; mas faço, e continuarei fazendo. Porque faço por mim, pela minha salvação, pela minha redenção. Escrevo pra mim, pra vocês, mas não para uma mídia.
A minha escrita é incorruptível. É autônoma. É pra ela. Minha escrita é um presente pra si mesma, independente do julgamento de terceiros. Ela nasceu dia 27 de julho de 1988, numa tarde fria de quarta-feira, junto comigo. Mas espero que não morra, e que este blog funcione como um canal para a sua imortalidade.
Cyrill Connelly, prodigioso escritor inglês, uma vez disse uma coisa que jamais vou esquecer. "É melhor escrever para si mesmo e não ter público, que escrever para o público e não ter você mesmo." Eu levo à risca o que disse Connelly, ele está absolutamente certo, seja a época que for. Isso não é uma frase, é um axioma. É um preceito que todo blogueiro/a deveria seguir.
Vejo muitas pessoas escrevendo coisas nas quais não acreditam. E não convencem. É feio e vexatório fazer isso consigo mesmo. É tentar enganar à própria escrita. É forçar. Não force. Relaxe. Escreva o que tem, escreva com o que tem. É fugir à essência imitar, plagear; o que é diferente de se inspirar em, referenciar-se em. Se for escrever, que seja você. Ainda que você reúna um amontoado de clichês, ainda que considere seu texto pobre: ele é parte de você. Lapide-o, se precisar. Não se incomode com a estética, mas atenha-se ao conteúdo. Diga. Cuspa. Vocifere. Eu não saberia conter meus dedos e meus pensamentos desordenados numa métrica já inventada. Deixo-os soltos para que cresçam e amadureçam. Na minha escrita, eu mesma faço as minhas regras, e essa é uma de suas maiores características. Eu respeito a minha escrita.
À Cyrill Connelly. É assim que eu vou ficar.

Até dezembro!

Egoístas

Nada além dos headphones. Sem choro de criança. Sem buzinas dos carros. Sem cantoria de passarinhos. Sem moedas caindo da carteira e tilintando no chão para que sintamos falta depois. Sem chamados e acenos de amigos que não vemos há tempos. Sem pessoas puxando assunto. Estamos absortos demais em nós mesmos para prestar atenção a tudo nos rodeia, e que nunca irá se repetir da mesma forma para que redimamos o nosso erro. Nada além dos headphones.
Ô coisa! Cada um cria um mundo, completamente internalizado e individualizado dentro dos pequenos egoístas eletrônicos - faça a metáfora, se for do seu gosto. Cada qual com sua trilha sonora vital. Seus sentimentos. Suas grades auditivas. Ninguém arrisca uma conversinha no ônibus. Ninguém sorri na rua. Todos os ouvidos estão ocupados demais com sons particulares e familiares demais. Ninguém experimenta dar-se à oportunidade de engatar um papo saudável e amistoso com o estranho ao lado. "Pode ser perigoso, eu não sei quem ele é, de onde veio, pra onde vai". E insere-se os headphones, numa tentativa convencionada e medrosa de se abortar o mundo e o coletivismo sonoro. Poluição sonora! Mal do qual não quero e não vou morrer!
Nunca inventaram nada mais antissocializante. Ouvidos tornarão-se débeis e seriamente comprometidos daqui a dez (?) anos, mas quem se importa? Qualquer tentativa para ficar no seu quadrado é válida. Headphones. Sondas estéreis de silêncio externo. Ouvidos sangrativos de tanto headphone!
Nunca inventaram nada mais introspectivo. Nada que privasse tanto do barulho existencial, que move a vida urbano-social. Nunca inventaram nada mais estúpido e rentável, mais canceroso e individual. Estamos vendo a ascensão da era dos individualismos. Em breve, disponibilizarão toda sorte de portáteis na loja mais próxima da sua casa, mas especialmente aqui fixo-me nos headphones e toda a gama de malefícios que ele é capaz de trazer, a curto e longo prazo, interna e externamente.
E assim cada pessoa envereda-se por seu caminho, sem imprevistos, sem cortar sua corrente. Calculando seus passos. Sem esbarrar em ninguém. Cada pessoa isola-se no seu pequeno universo artificializado de inaudibilidade humana, de relações sociais impossíveis, no amarelo de sorrisos que não veêm sol. Cada pessoa reparte consigo, e só consigo, a interpretação das músicas, a estética do som, a crítica mental inerte, infrutífera. Cada um toma a sua reta, seu fio. Fio tênue de ignorância, descontexto e solidão.

domingo, 23 de novembro de 2008

Complexo de Hayworth

Eu não gostaria de sentí-lo, mas eu sinto. Na verdade, detesto. Mas o fato é que anda difícil conversar com um homem que não esteja meramente com o olhar ausente em uma outra parte do meu corpo que não seja a cuca.
Odeio ser tratada como SOMENTE uma mulher gostosa, e não que eu me considere uma, mas acredito que muita gente me descredita por conta de, sei lá, (não tem como não falar isso sem emanar uma certa pretensão involuntária) me acharem... bonita. Eufemisticamente falando, é claro. Pô! Eu tenho um cérebro aqui dentro! Eu sei conversar sobre vários assuntos, menos futebol. Sei me divertir, passando por esses assuntos, sou inteligente, caramba. Mas tem gente que insiste em ver só a casca, o que eu acho de uma natureza tão pobre e insensível que beira a instintividade irracional.
Mas quando eu encontro alguém pra conversar... aaaaah... como flui, como é bom conversar com alguém que está vendo a Ana Cabeça, não a Ana Bunda, ou qualquer outra droga do gênero. Excepcionais são os casos que fogem a essa regra no meu convívio (até porque meu núcleo de amizades é composto 85% de mulheres), e em excepcional conta tenho esses amigos de verdade, porque sei que não me veêm com aquela maldade característica dos machões-boça. Não que o resto seja machão-boça. Mas, no caso deles, trabalhar essa veia facilmente resultaria nisso.
Talvez eu seja mal-interpretada, não sei. Acontece que gosto de fazer amizades. Virtuais, reais, à distância, em qualquer plano: fazer amizade com homem, com mulher, com gay, com lésbica, com cachorro, traveco, ah, não dispenso. Tenho um certo carinho inato pelas pessoas que cruzam o meu caminho, e quando isso não acontece é que é raro. Muito difícil eu ter implicância com alguém, mas ultimamente esse meu lado implicante tem se desenvolvido sobre esses caras escorregadios que, literalmente, não veêm meu coração. Por que? Por que essa pressa, essas segundas intenções nas relações homem X mulher? Não é porque eu sou assunto a alguém que quero, necessariamente, ter algo mais com aquela pessoa. Eu quero só trocar idéias, uai, e que mal pode haver nisso? As pessoas veêm maldade em tudo. E essa maldade acaba por ME afetar negativamente, o que é super chato. Perco a confiança em quem fica de maldades comigo. Às vezes penso que os caras só chegam em mim pra dar alguma investida. Chato. Nojento. Desprezível.
Não acontece só comigo. Muita mulher bonita (eu não sou bonita, reitero) é rotulada disso e daquilo muitas das vezes sem nem saber do que se passa em torno de seu nome. Fui descobrir uma dessas na prática. Na faculdade, outro dia, conversei com um vestibulando na hora do meu lanche. Papo tranquilo. Dias depois, um amigo chegou e disse que ele havia espalhado que eu "tava dando molinho". Quis enfiar a cabeça no vaso de raiva, mas passou. Passou, mas a lição ficou. Infelizmente, tenho que aprender a medir minha língua com aqueles que não conheço. O pior é que fiz uma retrospectiva mental e não achei NADA que me comprometesse no assunto. Tenho, no fundo, pena desse tipo de homem porque, ao que me parece, esses são os mais carentes e descerebrados.
Mas minha dúvida é fixa, e viso repartí-la com você perguntando: o problema está em mim ou nos outros? Quem me conhece, que o diga!

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Os homens, ah, os homens...

Vinícius cantou às mulheres. Toda a sua poesia, sua vida e seu legado estão entremeados pela sua total ode à figura feminina. Ele foi um dos maiores amantes das mulheres, no sentido devocional do termo, e deixou isto exposto para o mundo ver. É muito provável que o gene viniciano tenha morrido nos homens. Não se fazem mais homens românticos, o que é uma pena. Mas não se iluda, leitor, que de romântico Vinícius só tinha o gênero literário. Ele foi, no mais claro português, um galinha inveterado, mas inteligente. Muito inteligente, e passionalíssimo.
Como Vinícius, muitos poetas e artistas viveram intensamente, promovendo verdadeiras elegias ao sexo oposto, se dando, seja em palavras, seja com o próprio corpo. Acho isso de uma coragem e beleza incríveis. Numa sociedade que censura a mínima pisada fora da linha, estes preteriram todo o corpo fora. E chegou a minha vez, também. Abrirei o peito na direção dos canhões morais.
Os homens, ah, os homens. Magros, médios, negros, ruivos, louros. Lindos. Há uma beleza nos homens que somente um olhar feminino é capaz de contemplar com plenitude. Gosto da anatomia masculina. Gosto dos braços, dos pulsos, dos pés, das mãos dos homens. Gosto de seus pêlos. Gosto de um pomo de adão pronunciado, gosto de queixos e narizes. E, principalmente, gosto de homens naturais. Descontraídos, risonhos - ou sérios. E pênis. Aquela forma deliciosamente fálica guarda metade do segredo da vida - a outra está em nós, mulheres. O pênis masculino abre um manancial de gozo e delírio em mim. Eu gosto muito de homem.
Só uma bela figura masculina emana feromônios poderosos a todos os meus sentidos. Homens me despertam. De ternos, de fardas, de batas hippies, não importa, são homens! Os homens são lindos, lindos. Acho que, analisando por esse ângulo, entendo o motivo do homossexualismo masculino. Como resistir a um bom homem? Como passar incólume por aquele homem, sem dar uma discreta suspirada?
É difícil uma mulher, numa sociedade predominantemente machista, falar ao homem assim, principalmente sendo monogâmica, o que é o meu caso. Mas não vejo outra maneira. Aqui, estou inteiramente despida de qualquer princípio moral ou social; estou falando por mim mesma e pondo, quiçá, minha conta em risco. Me responsabilizo pelo que falo. Faço a canção ao belo, não ao promíscuo, e esse é um ponto que precisa ser levado em consideração. Mentalidades preconceituosas não conseguem dissociar isso com precisão. Elza Soares, Fafá de Belém, Zizi Possi, Leila Diniz, entre outras bravas me servem de inspiração. Elas interpretam a real beleza de um homem bonito, gostoso, sem sentir necessariamente aquele descontrole dentro de suas calcinhas. A questão aqui é de apreciação, não da banalização. Não tenho nada contra as mulheres que se relacionam com muitos homens, quem sou eu pra julgá-las? Só acho que entregas assim devem estar, primeiramente, calcadas na admiração pela figura masculina. A banalização que evidencio é a pessoa ter-se com quem quiser por mera carência ou desejo repentino, o que, aí sim, não concordo.
Mas, fora isso... os homens. Ah, os homens...

domingo, 16 de novembro de 2008

A rua do meu passado

A rua do meu passado tem belos e expressivos olhos castanhos, que vão me tragando por uma larga alameda por onde vou me perdendo à medida que vou me encontrando, dentro. Seus galhos são braços fortes, que me consolam, que são invadidos de uma luz lindamente turva em dias nublados. Ah, dias nublados. Em dias nublados, minha rua enegrece a ponto de virar noite em minutos. E nem assim perde a sua beleza. Se veste de mistério, de sobriedade, e de passado. De passado, de passado, de passado.
A rua do meu passado é muito bonita no final da primavera. Densamente encharcada daquele gosto e cheiro de chuva fresca, inundada com as cores vibrantes da transição das estações. Às vezes, consigo ouvir beijos vindos do oco das árvores que nela moram, porque, afinal, ela é a rua do meu passado. A rua me entende. Ela, seus sons, suas luzes, ela me completa. Eu começo o que ela termina, e vice-versa. Essa rua é um pedacinho de mim, que o tempo e a geografia tiveram o cuidado de preservar, tão delicadamente, tão pra mim.
A rua do meu passado me parece espiralada, como um turbilhão infinito de memórias e emoções à flor da pele. Ela tem um sorriso lindo que me entontece, toda vez que o contemplo. Parece que sabe o que quer, mesmo que isso implique em me dissociar de sua história, embora esta nunca possa ser apagada. Essa rua me sucita sentimentos tão fortes que tenho medo de me aventurar pelos seus 600 metros de asfalto e infinitude numa simples caminhada. Nem passo ali, nem que seja pra cortar caminho. Ela traz à minha boca um gosto acre de lembranças doloridas que prefiro adormecer num recôndito profundo no peito. A rua do meu passado está situada em algum lugar da minha cidade, em algum lugar do meu corpo, em algum lugar dos meus homens.
A rua do meu passado está impregnada de silêncio e nostalgia.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Coração sem sujeito

Há uma inquietação
Pulsando dentro do peito
Uma aberração
Um descompasso
Um defeito.
Há uma falha
um fosso, uma vala
Inflamável palha
Um descontrole violento de se arrebentar
e se espalhar pelo chão em cacos
de sangue, de desespero.
Há um sonho fetal
que ainda não foi feito
na insustentável possibilidade em ser
perfeito.
Há um anseio vazio
Um vão amargo no meio
Um despropósito vivo
Pulsando dentro do peito.
Nada há porque nada pode haver
E o haver salga.
No olho cego desse desassossego
lateja um desejo sem jeito
No coração sem sujeito.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Blasé: quando a indiferença vira moda

Confesso que fiquei um tempo pra sacar qual era a desse termo. Sempre o via (com meus olhos pré-conceituosos) muito ligado a assuntos relativos à moda, e inclusive já topei com ele por aqui, na blogosfera. E o tal termo me intrigava, por isso, de curiosa que sou, fui atrás dele e...
Touché!
Não me surpreendi muito quando vi o seu sentido no Oráculo (aka Google). Depois, analisei os textos em que lá estava o vocábulo para melhor assimilá-lo. E grande coisa. Minha reação mesmo ficou por conta de quem adere o estilo blasé como filosofia de vida. Pelamor. Tem coisa mais chata que gente blasé? Se eu tiver lido pouco a respeito, que o blasé dentro de você que agora me lê me repreenda. Mas, até onde li, concluí apenas que minha meta é manter uma distância segura entre mim e um blasé.
Nada para eles é novidade. Se consideram os know-it-all da moda, da música, da arte, e nada lhes causa comoção ou qualquer espécie de reação. Eles são irritantemente estáticos, com suas caras inexpressivas e seus olhares alheios. Como é que uma babaquice em tão alto grau pode virar uma febre? Isto que me intriga. Que graça existe em ser blasé? Na minha leiga opinião, blasé é somente uma justificativa expatriada para ser antipático com uma relativa classe. Preciso inserir aqui que respeito profundamente o direito das pessoas serem fechadas, instrospectivas, não rirem com facilidade - tenho, inclusive, grandes amigos com essas características, e meu namorado até - mas tentar legitimar uma sociopatia com uma palavra francesa não dá. (Nossa, forcei.)
Espero (fervorosamente) que isto, como qualquer outra modinha, esteja com seu prazo de validade às vésperas do vencimento. Não dá pra agüentar por muito tempo gente de nariz em pé que, por crer que pode construir uma bolha ao redor de si, pode conseqüentemente desprezar/ignorar os demais. Egocentrismo tem limite, e este se evidencia quando a excentricidade toma as rédeas da razão.
Fim aos blasés!

domingo, 9 de novembro de 2008

Corrigir, não corrigir

Eu não sei quanto a você, caro leitor, mas quando um erro gramatical oralizado entra pelos meus tímpanos, ele pertuba a minha paz interior. Os mais entendidos podem até alegar a gramática internalizada do falante, seu léxico particular, seu meio. Mas eu fico com aquele desejo comedido de corrigir quem foi o responsável pelo feito; mas preciso me policiar. Só que, enquanto não o faço, o erro fica lá, ecoando pelas paredes espelhadas dos meus ouvidos; entre a epiglote e a faringe. A última foi com a minha mãe. Certa feita, ela me disse: "No acidente, quebrou a cravícula.". Instantaneamente, saiu da minha língua nervosa o "cla". "É clavícula, mãe!". Ela me entendeu, mas deu aquela satirizada antes, como eu já esperava. Minha mãe não é do tipo que fala "framengo", mas a explicação pra "cravícula" é que foi uma notícia reproduzida pela minha avó, e, por não ser uma palavra no uso comum das duas, a versão da minha avó prevaleceu. E essa sim fala "framengo".
A questão que quero atingir não é o falar da minha mãe ou a minha avó, mas o ato da correção em si. Se de um lado, o meu interesse é unicamente ajudar as pessoas que pronunciam algum vocábulo erroneamente, por outro, posso ser (e sou!) mal interpretada e vista como alguém que se acha intelectualmente superior. Do ponto de vista lingüístico eu seria condenada, mas o que eu posso fazer se nos últimos 20 anos a prescrição gramatical influiu na minha vida de modo dogmático? Por mais que de uns meses pra cá eu venha sendo intruída a extinguir a idéia de "erro" da minha cabeça, não tem jeito: ele está lá.
Por isso que acho que o terreno da correção é movediço. Não sei se me calo por receio de magoar alguém (e deixar a pessoa continuar a reproduzir a transgressão), ou se falo e corro o risco de ouvir um quem-é-você-para-me-corrigir. De qualquer maneira, minha intenção não deixa de ser boa, apesar das conseqüentes interpretações. Acho simplesmente de um espírito de porco quem usa conhecimento como status. Que é o conhecimento senão uma ferramenta de reprodução, e pública, e plural? Quanto mais o transmitimos, mas o adquirimos!
É. Não me importa de ser mal vista por um instinto que vem de dentro de mim. Por isso, vou continuar, polidamente, a ajudar os mais incautos. Até porque, é só através da educação que a gente muda as pessoas de dentro pra fora.
Boa noite!