Nada além dos headphones. Sem choro de criança. Sem buzinas dos carros. Sem cantoria de passarinhos. Sem moedas caindo da carteira e tilintando no chão para que sintamos falta depois. Sem chamados e acenos de amigos que não vemos há tempos. Sem pessoas puxando assunto. Estamos absortos demais em nós mesmos para prestar atenção a tudo nos rodeia, e que nunca irá se repetir da mesma forma para que redimamos o nosso erro. Nada além dos headphones.
Ô coisa! Cada um cria um mundo, completamente internalizado e individualizado dentro dos pequenos egoístas eletrônicos - faça a metáfora, se for do seu gosto. Cada qual com sua trilha sonora vital. Seus sentimentos. Suas grades auditivas. Ninguém arrisca uma conversinha no ônibus. Ninguém sorri na rua. Todos os ouvidos estão ocupados demais com sons particulares e familiares demais. Ninguém experimenta dar-se à oportunidade de engatar um papo saudável e amistoso com o estranho ao lado. "Pode ser perigoso, eu não sei quem ele é, de onde veio, pra onde vai". E insere-se os headphones, numa tentativa convencionada e medrosa de se abortar o mundo e o coletivismo sonoro. Poluição sonora! Mal do qual não quero e não vou morrer!
Nunca inventaram nada mais antissocializante. Ouvidos tornarão-se débeis e seriamente comprometidos daqui a dez (?) anos, mas quem se importa? Qualquer tentativa para ficar no seu quadrado é válida. Headphones. Sondas estéreis de silêncio externo. Ouvidos sangrativos de tanto headphone!
Nunca inventaram nada mais introspectivo. Nada que privasse tanto do barulho existencial, que move a vida urbano-social. Nunca inventaram nada mais estúpido e rentável, mais canceroso e individual. Estamos vendo a ascensão da era dos individualismos. Em breve, disponibilizarão toda sorte de portáteis na loja mais próxima da sua casa, mas especialmente aqui fixo-me nos headphones e toda a gama de malefícios que ele é capaz de trazer, a curto e longo prazo, interna e externamente.
E assim cada pessoa envereda-se por seu caminho, sem imprevistos, sem cortar sua corrente. Calculando seus passos. Sem esbarrar em ninguém. Cada pessoa isola-se no seu pequeno universo artificializado de inaudibilidade humana, de relações sociais impossíveis, no amarelo de sorrisos que não veêm sol. Cada pessoa reparte consigo, e só consigo, a interpretação das músicas, a estética do som, a crítica mental inerte, infrutífera. Cada um toma a sua reta, seu fio. Fio tênue de ignorância, descontexto e solidão.
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