domingo, 16 de novembro de 2008

A rua do meu passado

A rua do meu passado tem belos e expressivos olhos castanhos, que vão me tragando por uma larga alameda por onde vou me perdendo à medida que vou me encontrando, dentro. Seus galhos são braços fortes, que me consolam, que são invadidos de uma luz lindamente turva em dias nublados. Ah, dias nublados. Em dias nublados, minha rua enegrece a ponto de virar noite em minutos. E nem assim perde a sua beleza. Se veste de mistério, de sobriedade, e de passado. De passado, de passado, de passado.
A rua do meu passado é muito bonita no final da primavera. Densamente encharcada daquele gosto e cheiro de chuva fresca, inundada com as cores vibrantes da transição das estações. Às vezes, consigo ouvir beijos vindos do oco das árvores que nela moram, porque, afinal, ela é a rua do meu passado. A rua me entende. Ela, seus sons, suas luzes, ela me completa. Eu começo o que ela termina, e vice-versa. Essa rua é um pedacinho de mim, que o tempo e a geografia tiveram o cuidado de preservar, tão delicadamente, tão pra mim.
A rua do meu passado me parece espiralada, como um turbilhão infinito de memórias e emoções à flor da pele. Ela tem um sorriso lindo que me entontece, toda vez que o contemplo. Parece que sabe o que quer, mesmo que isso implique em me dissociar de sua história, embora esta nunca possa ser apagada. Essa rua me sucita sentimentos tão fortes que tenho medo de me aventurar pelos seus 600 metros de asfalto e infinitude numa simples caminhada. Nem passo ali, nem que seja pra cortar caminho. Ela traz à minha boca um gosto acre de lembranças doloridas que prefiro adormecer num recôndito profundo no peito. A rua do meu passado está situada em algum lugar da minha cidade, em algum lugar do meu corpo, em algum lugar dos meus homens.
A rua do meu passado está impregnada de silêncio e nostalgia.

Um comentário:

Nana Bomfim disse...

Nossa, Ana, arrepiei! Lindo, lindo!

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