domingo, 16 de setembro de 2018

Perto do real

Debaixo
das muitas águas que cobrem o umbigo do mundo
há anos se confundiu a cidade perdida dos atlantes
com a arquitetura enigmática que deixou
o rastro de uma imensa criatura
imenso seu rabo de fogo
espalhando luz e morte e vida naquele dia

Aqui havia um cravo
um temível cravo feito de poeira e trânsito
cozido em gordura e sangue
que espremi até o último golfo com a pinça das unhas
até que restasse apenas a
impressão vermelha da força dos dedos
tão hábeis e impiedosos

extinto o cravo, por certo extinto
não leva consigo sua casa

Quando é frio
na cicatriz da dor eu sinto
só alguma coisa
não incomoda não faz rir e nem machuca
qualquer matéria escura
que recusa a palavra
só alguma coisa onde houve
uma colônia de pérolas
operárias formigas brancas
roendo meus órgãos
eles se lembram
sem boca emitem
isso que percebo como
espasmo de nada no vácuo
cicatriz da dor
eu sinto

O acesso à nuvem é íngreme
cada passo cadafalso

uma constelação pálida no seu sorriso
o último mês de três, eu não sabia
o que você soube no primeiro dia
mesmo ali, no afobamento
a posse falsa
uma borboleta noturna
desmaiada na grandeza da tua mão

perdi um dente e um brinco de ouro
no espaço de um beijo
já faz alguns anos mas
nus os buracos
uma evidência
querendo ou não
me lembro.