A couve estava lá, parada e ensacada no canto. Tinha vindo de uma família
grande de couves, que havia se separado para alimentar os Reis, os Fernandes,
os Pereira, os Gonçalves, numa diáspora violenta. Retirei a couve do saco, e
examinei-a devagar e notei a beleza das suas nervuras fortes, se espraiando do
caule em todas as direções. Fosse eu uma criatura pequena, da altura duma
formiga, pensaria ser a couve uma árvore tombada depois da chuva. Mas era eu a
criatura grande, ali, mergulhando a couve em água na vã tentativa de
desintoxicá-la das milhares de substâncias contidas nos agrotóxicos que
ironicamente as preparam para o consumo humano. O que os olhos não veem, o
coração não sente. Mas vale a beleza lenta do mergulho da couve na água, que
atribui a ela novos contornos.
Preparação. 4 dentes de alho, 1 cebola inteira. Soca-se o alho com a fúria da fome, e pica-se a cebola, afastando o choro dos olhos. Nem quando perdi meu primeiro amor chorei assim. Nem quando a polícia militar do Rio de Janeiro lançou, na minha direção, uma bomba de gás lacrimogêneo, eu chorei assim. Então, depois de devidamente misturados alho e cebola, foi a vez de cortar a couve.
Conforme ia empilhando, uma a uma, as folhas, me deparei com algo fora do comum. A primeira folha tinha um rosto. Era um rosto de gente, mas de gênero indefinível; um rosto que me sorria sem eu pedir, um rosto simpático, sobrancelhas, olhos, boca, dentes, nariz, bochechas, tudo se convertendo num sorriso estranho e verde, e larguei as folhas na vasilha e as tranquei no fundo mais fundo da gaveta fria da geladeira.
Preparação. 4 dentes de alho, 1 cebola inteira. Soca-se o alho com a fúria da fome, e pica-se a cebola, afastando o choro dos olhos. Nem quando perdi meu primeiro amor chorei assim. Nem quando a polícia militar do Rio de Janeiro lançou, na minha direção, uma bomba de gás lacrimogêneo, eu chorei assim. Então, depois de devidamente misturados alho e cebola, foi a vez de cortar a couve.
Conforme ia empilhando, uma a uma, as folhas, me deparei com algo fora do comum. A primeira folha tinha um rosto. Era um rosto de gente, mas de gênero indefinível; um rosto que me sorria sem eu pedir, um rosto simpático, sobrancelhas, olhos, boca, dentes, nariz, bochechas, tudo se convertendo num sorriso estranho e verde, e larguei as folhas na vasilha e as tranquei no fundo mais fundo da gaveta fria da geladeira.