Sorte a tua
Que bebeu da teta da terra
Que tomou o leite turvo
De tétano
Donde boiaram os dentes de outros fósseis
Até mais fortes
Fósseis tombados
Idade do ferro
Do gosto pontiagudo
das frutas que a terra verte
O remorso afogado na lama
onde um dia tua avó lavou as vestes
Não, tu não cuspas com ingratidão
o leite desta teta pútrida
Não,
tu não quebres teu retrato de família
Tu,
Tu não vires o rosto em nojo
que a cama já está pronta
que a cama sempre esteve pronta
O leito que alenta morno
Que enegrece os órgãos internos
Mas ainda, leito
peito
Despertando o sono
A cama sempre esteve pronta.
Para Diogo.
quinta-feira, 24 de dezembro de 2015
terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Acidental
Eu perfumei o teu livro
Com pequenas manchas eternas
Foi por acidente - me desculpa!
Quando o tiver nas mãos
vai lembrar das minhas pernas.
Para Diogo
Com pequenas manchas eternas
Foi por acidente - me desculpa!
Quando o tiver nas mãos
vai lembrar das minhas pernas.
Para Diogo
sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
Cem Xis Zero
No vão estreito da ponte sobre o canal o tempo se encontrou aos três e colou seus pedaços. Pretas e duras, as raízes das árvores se estendiam em continuações verdes serpenteando a perna mole, afundando os entornos da cavidade dos olhos, e também se distribuindo em igualdade sistemática pelos dedos da primeira mulher.
Todo o mundo em silêncio. Folhas, carros, gente, gatos, rádios, todo o mundo em silêncio, e na caverna impenetrada da primeira forma de vida humana, o pulso. Atenção: o pulso é o primeiro ruído da última mulher. A última mulher não tem dentes, não tem pelos, não tem cílios e não tem roupas, porque a última mulher ainda não sabe que é mulher. Não sabe que existe. Ela só existe, mas seu tempo ainda não começou a se contar.
Se nem mesmo a vida é comprovadamente linear, nada mais tem a obrigação de ser. No segredo da falta de linearidade se ouviu a voz - voz essa que saiu duma equação entre oxigênio, vibração e cordas vocais - da mulher do meio. A mulher do meio está exatamente entre a primeira e a última mulher, e o extremo da ponte uniu as três. A mulher do meio tem um corpo de mulher formado e pleno, tem pêlos, tem dentes que ornam suas expressões de satisfação ou fúria, e traja um vestido que o vento atravessa sem resistências.
Era só qualquer dia de dezembro, de março ou de agosto sobre uma ponte qualquer. Mas é que o extraordinário escolhe, justamente, a mais qualquer das qualqueridades pra nascer.
-- Não tenho pressa, minha filha, se quiser, pode atravessar.
-- Eu também não tenho, vou esperar.
-- Os carros aqui passam muito rápido. Se Deus me der saúde, quero viver até o ano que vem. Faço cem anos no dia de São Sebastião do Rio de Janeiro!
-- Sério? Eu também faço aniversário no mesmo dia!
-- E esse neném aqui? É mulher ou homem?
-- Mulher. Se tudo der certo, é meu presente de aniversário!
Carros cheiram o asfalto, neuróticos. A impaciência se avoluma, indiana. Passa uma impossível cabra na rua paradoxal, e olha para as três mulheres, silenciosa. Para. Os olhos cromados da cabra mentem sua direção, mas as mulheres sabem que são observadas por ela. Um chifre em cada ventre. Cem. Xis. Zero. A matemática, fiscal, brincando sobre as equivalências daquela estranha coincidência natal, pouco antes de despertar do delírio. A impaciência avolumada fala. Pede licença. Ignora o milagre, perfeito, triangular.
No vão estreito da ponte sobre o canal o tempo se encontrou aos três e colou seus pedaços. Mas cada milagre na terra custa uma estrela do céu.
Todo o mundo em silêncio. Folhas, carros, gente, gatos, rádios, todo o mundo em silêncio, e na caverna impenetrada da primeira forma de vida humana, o pulso. Atenção: o pulso é o primeiro ruído da última mulher. A última mulher não tem dentes, não tem pelos, não tem cílios e não tem roupas, porque a última mulher ainda não sabe que é mulher. Não sabe que existe. Ela só existe, mas seu tempo ainda não começou a se contar.
Se nem mesmo a vida é comprovadamente linear, nada mais tem a obrigação de ser. No segredo da falta de linearidade se ouviu a voz - voz essa que saiu duma equação entre oxigênio, vibração e cordas vocais - da mulher do meio. A mulher do meio está exatamente entre a primeira e a última mulher, e o extremo da ponte uniu as três. A mulher do meio tem um corpo de mulher formado e pleno, tem pêlos, tem dentes que ornam suas expressões de satisfação ou fúria, e traja um vestido que o vento atravessa sem resistências.
Era só qualquer dia de dezembro, de março ou de agosto sobre uma ponte qualquer. Mas é que o extraordinário escolhe, justamente, a mais qualquer das qualqueridades pra nascer.
-- Não tenho pressa, minha filha, se quiser, pode atravessar.
-- Eu também não tenho, vou esperar.
-- Os carros aqui passam muito rápido. Se Deus me der saúde, quero viver até o ano que vem. Faço cem anos no dia de São Sebastião do Rio de Janeiro!
-- Sério? Eu também faço aniversário no mesmo dia!
-- E esse neném aqui? É mulher ou homem?
-- Mulher. Se tudo der certo, é meu presente de aniversário!
Carros cheiram o asfalto, neuróticos. A impaciência se avoluma, indiana. Passa uma impossível cabra na rua paradoxal, e olha para as três mulheres, silenciosa. Para. Os olhos cromados da cabra mentem sua direção, mas as mulheres sabem que são observadas por ela. Um chifre em cada ventre. Cem. Xis. Zero. A matemática, fiscal, brincando sobre as equivalências daquela estranha coincidência natal, pouco antes de despertar do delírio. A impaciência avolumada fala. Pede licença. Ignora o milagre, perfeito, triangular.
No vão estreito da ponte sobre o canal o tempo se encontrou aos três e colou seus pedaços. Mas cada milagre na terra custa uma estrela do céu.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
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