que mundo de merda esse
que merda de mundo essa
a gente aprende poupar o que sente
com medo que o sentimento do outro
acabe assim tão depressa.
sexta-feira, 25 de março de 2016
domingo, 13 de março de 2016
A busca
O sol já dá os primeiros sinais de esgotamento. Não aquele, que virá daqui a muitos, muitos anos, quando se acabarem todas as reencarnações de todas as pessoas possíveis, mas os primeiros sinais de esgotamento desse dia exaustivo. O sol se cansa cedo diante de tanto gelo. Que tolice de se dizer. Mas, branco e frio extremos por toda a volta, ainda que seja tolice de se dizer, é fácil assim pensar.
Me disseram que ela simplesmente desapareceu. Ninguém a viu. Nem primeira ou ultimamente. Desapareceu, como quem é levada por conspiração séria. Teria sido sequestrada? Não. Desapareceu, apenas. Não fez telefonema, não contou a ninguém onde ia, nem se voltava: só se foi. Fico me perguntando como as pessoas alcançam esse nível de desprendimento.
Quatro da tarde. A seriedade dos fiordes quebra a espinha. O frio ensina a austeridade. Talvez eles saibam onde ela teria ido, porque só com olhos muito altos se veêm os corações das pessoas. Se bem que ela é uma mulher. Isso é um complicador. Coração de mulher é feito diamante. Ilude, pelo brilho intenso projetado, mas luz alguma lhe atravessa.
São divididos em cinco os grupos de busca, já beiram as cinco e dez. A visibilidade comprometida pode representar o risco de encontrá-la já sem vida -- ninguém sobrevive á noite aqui no inverno, alguém ouviu um dos guias dizer. Situação inacreditável. É claro que a maior parte da culpa é por conta da gana das companhias de viagem, que não ficham direito as pessoas durante os passeios. Grupos imensos, a possibilidade de faturar dinheiro extra. Não é preciso ser nenhum gênio para efetuar a matemática que tende ao lucro. Pessoas desaparecem em trilhas todos os anos não à toa. E quem responde pelas ausências?
Chegam mais guias para orientar os grupos na busca, e também são chamados grupos de busca especializados. Os olhos dos huskies oferecem um brilho fosco e perdido que se assenta com o cair da noite. Penso nos olhos dela que não vi. Cuja cor desconhece o mundo. Imagino-a andando pelas geleiras. Na boca do vulcão morto. Sozinha. As mãos abertas capturando o frio de tantas sucessivas eras que a Terra foi capaz de produzir, como se fosse possível tocar o Isolamento. Penso nela. Penso nela e minhas mãos doem. Penso nela virando uma escultura de gelo conforme se defronta com o último reflexo de si mesma nos seus vitrais internos, que podem guardar um filho morto, uma carreira abandonada, uma casa incendiada. Tantas coisas eu penso quando penso nela, e por pensar nessas coisas eu penso que posso conhecê-la melhor. Mas nada dela, em nenhuma parte.
Já não há mais luz alguma.
As buscas se intensificam por toda a parte, e sem sucesso. Os helicópteros leem a negritude gelada da terra que mantém em segredo a silhueta da mulher perdida. Mas não é possível, como ela estava vestida quando foi vista pela ultima vez? Qual era a cor do seu cabelo, qual era a sua cor? Mas ela vestia um casaco azul e preto, surgiu uma voz, esforçosa da lembrança. Se essa mulher aparecer morta a companhia será responsabilizada. Tragam-na viva, e bem! Isso é loucura, vocês deixaram a mulher pra trás. Isso não existe. Se ela estiver viva, será um milagre. Nunca mais eu viajo por essa companhia. Vocês conseguiram acabar com a viagem dos meus sonhos. Vamos rezar para que ela volte em segurança.
Mas foi no amálgama do caos que alguma coisa aconteceu.
Quebra-cabeça cronológico-factual.
No vai e volta da mente, os fractais impossíveis da coincidência impossível.
Esse era o casaco que a mulher usava?
Sim, era esse o casaco que a mulher usava! Onde você o encontrou?
Esse casaco é meu.
Houve silêncio. E houve olhares catatônicos. Por um minuto, ninguém pôde dizer uma palavra. O silêncio foi quebrado, então, pelo ruído chuviscado do rádio de um dos guias. Suspendam as buscas e venham pra cá. Vocês não vão acreditar.
Me disseram que ela simplesmente desapareceu. Ninguém a viu. Nem primeira ou ultimamente. Desapareceu, como quem é levada por conspiração séria. Teria sido sequestrada? Não. Desapareceu, apenas. Não fez telefonema, não contou a ninguém onde ia, nem se voltava: só se foi. Fico me perguntando como as pessoas alcançam esse nível de desprendimento.
Quatro da tarde. A seriedade dos fiordes quebra a espinha. O frio ensina a austeridade. Talvez eles saibam onde ela teria ido, porque só com olhos muito altos se veêm os corações das pessoas. Se bem que ela é uma mulher. Isso é um complicador. Coração de mulher é feito diamante. Ilude, pelo brilho intenso projetado, mas luz alguma lhe atravessa.
São divididos em cinco os grupos de busca, já beiram as cinco e dez. A visibilidade comprometida pode representar o risco de encontrá-la já sem vida -- ninguém sobrevive á noite aqui no inverno, alguém ouviu um dos guias dizer. Situação inacreditável. É claro que a maior parte da culpa é por conta da gana das companhias de viagem, que não ficham direito as pessoas durante os passeios. Grupos imensos, a possibilidade de faturar dinheiro extra. Não é preciso ser nenhum gênio para efetuar a matemática que tende ao lucro. Pessoas desaparecem em trilhas todos os anos não à toa. E quem responde pelas ausências?
Chegam mais guias para orientar os grupos na busca, e também são chamados grupos de busca especializados. Os olhos dos huskies oferecem um brilho fosco e perdido que se assenta com o cair da noite. Penso nos olhos dela que não vi. Cuja cor desconhece o mundo. Imagino-a andando pelas geleiras. Na boca do vulcão morto. Sozinha. As mãos abertas capturando o frio de tantas sucessivas eras que a Terra foi capaz de produzir, como se fosse possível tocar o Isolamento. Penso nela. Penso nela e minhas mãos doem. Penso nela virando uma escultura de gelo conforme se defronta com o último reflexo de si mesma nos seus vitrais internos, que podem guardar um filho morto, uma carreira abandonada, uma casa incendiada. Tantas coisas eu penso quando penso nela, e por pensar nessas coisas eu penso que posso conhecê-la melhor. Mas nada dela, em nenhuma parte.
Já não há mais luz alguma.
As buscas se intensificam por toda a parte, e sem sucesso. Os helicópteros leem a negritude gelada da terra que mantém em segredo a silhueta da mulher perdida. Mas não é possível, como ela estava vestida quando foi vista pela ultima vez? Qual era a cor do seu cabelo, qual era a sua cor? Mas ela vestia um casaco azul e preto, surgiu uma voz, esforçosa da lembrança. Se essa mulher aparecer morta a companhia será responsabilizada. Tragam-na viva, e bem! Isso é loucura, vocês deixaram a mulher pra trás. Isso não existe. Se ela estiver viva, será um milagre. Nunca mais eu viajo por essa companhia. Vocês conseguiram acabar com a viagem dos meus sonhos. Vamos rezar para que ela volte em segurança.
Mas foi no amálgama do caos que alguma coisa aconteceu.
Quebra-cabeça cronológico-factual.
No vai e volta da mente, os fractais impossíveis da coincidência impossível.
Esse era o casaco que a mulher usava?
Sim, era esse o casaco que a mulher usava! Onde você o encontrou?
Esse casaco é meu.
Houve silêncio. E houve olhares catatônicos. Por um minuto, ninguém pôde dizer uma palavra. O silêncio foi quebrado, então, pelo ruído chuviscado do rádio de um dos guias. Suspendam as buscas e venham pra cá. Vocês não vão acreditar.
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