Hoje aniversaria teu óbito
- espontâneo, incógnito -
que me vara o peito em silêncio e luto
sem fazer sentido.
Tens cheiro de flores frias
Incolores, vazias.
Tens tão inerte expressão
Que assim cristalizada
Não há coração que esqueça.
Cristalizado tu
aqui estais em minha cabeça.
Eu fugi, e de novo o faria
do teu retrato meramente cadavérico.
apertei os olhos e não dei aqueles passos
- não era você ali, e não é.
Mas que absurdo é a morte! Deslavada paródia!
Confere a ti onipresença,
Estereliza dos progenitores teus o sorriso,
Me assalta a crença!
Mas vai. Vá e adormeça.
Quiçá um dia eu te encontre
nos braços da paz.
Vá e adormeça!
Ainda que a sanidade feneça
e as traças roam minhas memórias
Tua imagem é o oratório
onde parte de mim jaz.
Para meu amado Marcelo, cuja ausência ainda dói em mim.
*Subitamente, o blog foi atacado. E por um anônimo. Recado pra você: esse tipo de juízo não me interessa.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Tribos da lua
Anoitece leitosamente por toda a cidade. A noite veste todos os cantinhos, e com esse ato nobre de anoitecer, cobre pedaços. Pedaços dos monumentos, dos momentos, dos postes, dos posters, das pessoas. As pessoas vagam pela cidade, expondo sempre a ínfima parte do que são de acordo com o fuso. Uns estão mais à mostra quando é de dia. Outros existem mais plenamente sob a magnético-enigmática influência lunar, e é dela que pretendo falar hoje.
Vejo gente diferente por todos os lados. As tribos da lua têm legendas que estão para os notívagos e os noturnos tais quais o braile está para o cego. Ninguém aqui é bebedor de sangue, mas também possuímos as asas pontudas da imaginação que captam bem os sons, que, como nós, só existem neste horário. Sons. São um bom guia - uma vez que a vista, já meio senil, não tem a mesma eficiência que os ouvidos. As tribos da lua são muitas. São as crianças vendendo amendoim do terminal de Niterói. É o cadeirante disforme que vende pipoca. São os velhos, as barbas sujas das caras macilentas parecendo cracas em naufragadas embarcações, dormindo sobre papelões. São os loucos, babando sua secreta verdade.
Enquanto a parca luz noturna esconde parte de seus rostos, ela espraia sua face mais dura, mais crua. São crentes orando por desvalidos. São os mulatos no pagode numa sexta-feira. São as putas e os travecos das esquinas, defendendo seu qualquer, os bêbados que adormecem com um sorriso vagabundo no rosto, os cachorros magros cheirando a carniça; Rose voltando da casa dos patrões para abraçar a filha. Nenhum deles se conhece, mas todos se convergem em um único mural, onde é a noite o regente.
Seja de modo glamourizante, seja sob seu prisma mais real, todas as tribos dessa cidade lunar têm essa mesma essência de se instalar sob o clima underground que a noite traz. Pela manhã, são meros outros. A luz do sol é turbulenta, egoísta, e ofusca as partes mais interessantes e verossímeis dessas pessoas. Na calmaria da luz noturna, a retina se relaxa e se expande, conseguindo ver (e assimilar) muito melhor os contornos, os desenhos e as expressões. Na noite, o território das fantasias ganha dimensão, porque, no escuro, elas têm onde se esconder, e brincam com o nosso imaginário. Nada é tão óbvio, ninguém me garantiu que os pequenos vendedores de amendoim não são anjos; que os pobres velhos que dormem nos bancos não são piratas falidos; que os fervorosos oradores não são assassinos. A lua tem esse poder de metamorfosear, de desdobrar, feito papel de bala, a mente humana.
As tribos que ritualizam suas verdades ao luar são as mais sinceras.
Vejo gente diferente por todos os lados. As tribos da lua têm legendas que estão para os notívagos e os noturnos tais quais o braile está para o cego. Ninguém aqui é bebedor de sangue, mas também possuímos as asas pontudas da imaginação que captam bem os sons, que, como nós, só existem neste horário. Sons. São um bom guia - uma vez que a vista, já meio senil, não tem a mesma eficiência que os ouvidos. As tribos da lua são muitas. São as crianças vendendo amendoim do terminal de Niterói. É o cadeirante disforme que vende pipoca. São os velhos, as barbas sujas das caras macilentas parecendo cracas em naufragadas embarcações, dormindo sobre papelões. São os loucos, babando sua secreta verdade.
Enquanto a parca luz noturna esconde parte de seus rostos, ela espraia sua face mais dura, mais crua. São crentes orando por desvalidos. São os mulatos no pagode numa sexta-feira. São as putas e os travecos das esquinas, defendendo seu qualquer, os bêbados que adormecem com um sorriso vagabundo no rosto, os cachorros magros cheirando a carniça; Rose voltando da casa dos patrões para abraçar a filha. Nenhum deles se conhece, mas todos se convergem em um único mural, onde é a noite o regente.
Seja de modo glamourizante, seja sob seu prisma mais real, todas as tribos dessa cidade lunar têm essa mesma essência de se instalar sob o clima underground que a noite traz. Pela manhã, são meros outros. A luz do sol é turbulenta, egoísta, e ofusca as partes mais interessantes e verossímeis dessas pessoas. Na calmaria da luz noturna, a retina se relaxa e se expande, conseguindo ver (e assimilar) muito melhor os contornos, os desenhos e as expressões. Na noite, o território das fantasias ganha dimensão, porque, no escuro, elas têm onde se esconder, e brincam com o nosso imaginário. Nada é tão óbvio, ninguém me garantiu que os pequenos vendedores de amendoim não são anjos; que os pobres velhos que dormem nos bancos não são piratas falidos; que os fervorosos oradores não são assassinos. A lua tem esse poder de metamorfosear, de desdobrar, feito papel de bala, a mente humana.
As tribos que ritualizam suas verdades ao luar são as mais sinceras.
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