sexta-feira, 5 de março de 2010
Cabeça vazia
Oficina do cão? Acho que não.
É na cabeça vazia que levitam as idéias, as idéias que existem, líquidas, antes de existir. A placentária cabeça vazia as alimenta. Na cabeça vazia é que são formados os sonhos; nela é que engatinham as ilusões e os desejos ainda não materializados, que ainda não chegaram aos nervos.
A cabeça vazia é o caos de fúria onde tudo está fundido, disforme, flutuando. É a mais fiel imagem da criação; uma dinamite dentro. Tudo o que toma lume do lado de fora escorregou dessa infinda matriz, cheia de vales e trovões como num clipe de Lenine.
O universo que existe dentro da cabeça vazia é trancado pelo lado de dentro, e ninguém que lá habita, por mais incauto que seja, lhe dará a chave. É absolutamente impenetrável. Tudo o que aqui relato foi o que vi pelo buraco da fechadura. Lá não existe gravidade nem tempo; se assemelhando à imensidão sidérea simbolista de Cruz e Souza.
Me consola imaginar que a alcunha 'oficina do cão' - essa histórica injustiça com o umbigo dos pensamentos - tenha surgido na óbvia Idade Média, onde a criatividade, inventividade ou questionamentos à frente do tempo eram automaticamente associados ao mal e lançados às brasas do não-esclarecimento. Ocupar a cabeça com atividades braçais quaisquer, então, seria uma alternativa ao exercício da indagação, à tensão da psique entre o visível e o que não pode ser explicado. Ninguém me convence que gente como Montaigne, Da Vinci, Modigliani, Ferreira Gullar, Giordano Bruno ou Hamanujan não foram profundamente mergulhados no vazio de suas cabeças, onde acabaram por se encontrar.
Cabeça vazia é o ponto-morto da engrenagem mental. A batuta da orquestra em repouso. Como é que puderam, por tanto tempo, demonizar a mente aparentemente inoperante? Aparentemente, para nossas limitações. Lá dentro, tudo já estava pronto.
A cabeça vazia é a morada de todas as respostas.
A cabeça vazia, meus caros, é a casa de Deus.
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