Sim, eu tenho o que contar sobre você. Posso contar das estrelas que você me ensinou a ver. Das noites em claro na praia, quando seu peito aquecia minhas costas, e eu, ainda bem, de nada sabia. Posso contar das nossas aventuras, das coisas mais impensáveis que nós fizemos juntos para, logo depois, rirmos um da cara do outro, e rirmos, e rirmos, e rimos. Que ordinária e barata felicidade. E você, que lançava conchas do mar na minha discreta caverna umbilical num fim de tarde qualquer; você que me levantava pelas pernas e me carregava, em meio aos meus pedidos de "me põe no chão!", como um troféu que pretendia levar pra casa. Mas eu de nada sabia.
É bom ter as memórias. É como se a gente vivesse um pouquinho de novo, mas por uma projeção em holograma, onde somos espectadores de nós mesmos. Como quando nós pseudofilosofávamos, longas horas, tarde da noite na rede. Eu anelava os seus cabelos e você, alisando minhas pernas. Ou o nosso segundo porre, porque o primeiro marcou a noite colorida na qual nos conhecemos. Foram dias paralelos.
Acontece que eu acabei acostumando, falha minha. Estava fora de cogitação, mas me acostumei com sua maneira boba e incisiva de sorrir com deboche sobre as coisas, de fazer piada interna com tudo o que acontece e lançá-las no ar nos momentos que não me permitiam meu livre riso. Acordamos e dormimos juntos, durante dias. Você andou comigo de mãos dadas pelas ruas, conheceu minha família, e por um brevíssimo período ensaiou fazer parte dela. Mas ainda não somos íntimos. Pertencemos a universos bem distintos, e sabemos disso. Você e sua vida, do outro lado da cidade, e eu, com a minha; meus dias, meus anseios, minhas viagens, meus botões.
Nós dois tivemos a feliz coincidência de encontrar com o acaso, distraído, na mesma esquina. Depois, o que aconteceu é que cada um se devolveu ao seu mundo, como haveria de ser, como já era o esperado. Sem amor, sem medo. Acabamos criando um contrato inconsciente que delimitava até onde era seguro ir. E ficamos com o lado bom da história: tivemos as núpcias, as delícias, a despreocupação de uma vida inteira em quatro dias. Mas todo esse encanto que aflora dos meus olhos feito água bruta em foz quando eu escuto o seu nome, todo esse encanto só é preservado por um só motivo: ainda não somos íntimos. E provavelmente, nunca seremos.
Ainda bem.
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