terça-feira, 27 de setembro de 2011

O homem que matou a América

Fotografava pacientemente o externo dos seus olhos incansáveis. Sua vida, até então, se resumia a um contínuo movimento circular e uniforme, que compreendia os quarteirões da cidade por onde passava com seu carro. Detectava os tipos comuns. Filtrava-os, inerentemente filtrava-os. As vagabundas, os viciados, os negros, os sodomitas, os assassinos, os ladrões, os exploradores e toda sorte de gente que se vende por 15 dólares a hora. Olhava para eles com nojo. Escória. Escória do mundo. Porra.
Não encontrava nada interessante pra fazer. Gostava de olhar moças bonitas e limpas, de dançar, de passear no parque; mas isso era artigo de luxo numa metrópole tão viciada quanto os dados de Las Vegas. Então enfiava-se nos cinemas onde outras moças bonitas, porém sujas, mostravam a elasticidade de alguns de seus orifícios. Lá ele se camuflava.
Um dia, cansou de fazer parte da procissão dos desvalidos que mendigavam uma teta no seio da América. Mudou os móveis de lugar, mudou os hábitos alimentares, mudou o corte de cabelo e foi pra rua. Era um revolucionário só. Não havia insurreição nenhuma nas ruas escuras. Era só ele. Era um profeta do subúrbio cujas verdades só tinham sentido para si. Era ele próprio um carro desgovernado.
Adquiriu armas. Cada arma adquirida era um lance de escadas social que ele galgava e que o diferenciavam daquela multidão sem nome. Agora ele tinha um nome. Só precisava assiná-lo.
Saiu às ruas. A primeira vez que matou foi tão despreparada que foi quase acidental. Mas não foi. E o vagabundo merecera. Um preto ladrão. Merecera. Sentiu o gosto do sangue das pontas dos dedos, gostou daquilo de certa forma. Mas aquilo era só uma rubrica mal feita perto da sua premeditação. Tinha alvos.
Continuou andando pelas ruas. Ele era aquilo que se podia chamar de "perigoso" agora. Na porta de um bordel, um tiro. Uma merda de um cafetão inútil agora conhecia o gosto quente do seu revólver. Sobe as escadas, encontra o proprietário do local. Vara sua mão com outro tiro. A mão fica dilacerada, e o homem, colérico, xingando-o de muitos nomes e percorrendo-o conforme ele sobe ainda mais as escadas. Adentra um quarto que brilha com luzes vermelhas, e mata um homem nu. Sob ele, uma menina de doze anos grita, apavorada, fecha ouvidos e olhos. Mas um tiro lhe acerta. Ele cai num sofá, enquanto chegam policiais.
 Seu nome é Travis Bickle. E este homem matou a América.

2 comentários:

J.L.Tejo disse...

Gostei, estilo Bukowski.

Cheguei a lançar no google "Travis Bickle", achei que era um caso real. Minha ignorância cinéfila rsrs

Ana Líbia disse...

Mas eu acho que Scorcese é tão preciso e tão na mosca que não há quem pense que é fantasia cinematográfica!
E Bukowski, nunca vi nem comi, eu só ouço falar. Rs.