Do lado de fora do carro, as árvores pareciam embriagadas. Não se acertam em suas posições. Parece que vai chover.
Silêncio absoluto. Ninguém falava. O percurso é tranquilo, mas me sinto tonta e o porquê não sei. O carro pára. Me puxam para fora dele.
À frente, uma fortaleza de cor cinza, com janelas pequeninas por onde o pavor espreita o mundo que há do lado de fora. Numa fachada, em letras coloridas, está escrito "Reino Feliz". Os homens que me conduziam no carro agora me tomam, cada um por um braço, e me carregam para dentro do lugar. E me despejam.
Assim que fecha-se a porta, começo a socá-la, em meio a desesperados pedidos de ME TIRA DAQUI!, quando, depois de um tempo, me dou conta de que é possível destrancar a mesma. Saio devagar e percebo do que se trata. É um hospício. Um hospício de quartos em cores berrantes onde, curiosamente, em cada um, havia um jogo eletrônico dos anos 80 que nos sugava para dentro conforme entrávamos no cômodo. Então, por exemplo, quem entrasse em determinado quarto, tornaria-se uma esfera amarela faminta, ou, num outro, haveria imensos blocos coloridos caindo sequencialmente uns sobre os outros. Em todos os quartos havia desses horrendos labirintos coloridos. Eu estava lá, e acreditem ou não, não havia real motivo para estar.
De repente, num destes quartos, havia um emulador que transportava quem entrasse diretamente para a ação. Concentrando toda a força da minha mente, consegui passar incólume pelo jogo, e, num canto do mesmo quarto, descobri uma seqüência de portas igualmente coloridas. Abria-se uma, havia outra. Por trás delas, um lance de escadas, onde dois homens jogavam baralho. Um deles, gordo e usando roupas antigas, era o diretor da instituição, que se espantou quando me viu. Me ordenou que me afastasse, quando, no mesmo instante, puxou uma arma exótica de uma das gavetas da mesa onde jogava seu carteado.
Num movimento muito brusco, avancei sobre o homem para tentar arrancar de si a sua arma. Não consegui. Ele então apontou-a a mim, ordenando que eu me ajoelhasse. O outro homem apenas observava.
_ Como chegou aqui?
_ Pelas portas coloridas.
_ Você não teria como saber onde estão as portas coloridas.
_ Eu também não sei exatamente o que faço aqui. Mas sei de uma coisa: quero ir embora já!
_ Ah não, minha cara, minha caríssima. Quem entra no Reino Feliz só vai embora se for para os jogos. E desde então nunca houve resistência.
_ Pois desde... então!
Sem pensar muito, da posição de joelhos desferi uma banda no diretor. A arma caiu, o outro homem desapareceu e houve uma luta corporal para quem consegue alcançá-la primeiro. De posse da arma, corri atrás do gordo, que se atirou de um dos lances de escadas. Tentando acertá-lo durante sua queda, me dou conta de que não há munição, e a arma finalmente me parece o que antes eu não havia notado: um brinquedo.
Varando os corredores afim de encontrar a saída, há imagens de todo tipo. Entretanto, não há loucos. O que haverá acontecido aos loucos que chegaram antes de mim? É nesse instante que espio um dos quartos e ouço uma voz que vem de dentro:
_ Fuja pelo jardim que você vai encontrar a porta cinza.
Sem alternativas, começo a correr para encontrar o jardim, mas há três deles. O lugar é dantesco, distorcido e há risadas por todo canto. Minha cabeça já começava a doer quando me dei conta de que as risadas eram nocivas, e a loucura se dava pelo ar, pelo som. Abafando os ouvidos com as mãos, vaguei pelos três jardins. No último, a tal porta cinza.
Não conseguia abrí-la por nada. Bati, forcei a maçaneta, gritei, nada. Mas observei sua fechadura. Era estranha, grande e redonda. Então peguei a arma de brinquedo e encaixei seu cano lá. Era a chave.
Quando abri a porta, estava exatamente no centro de uma grande cidade. Mas ao olhar para trás, não havia nada. Tudo estava desfeito. Nenhum jardim, nenhum hospício, ninguém a me perseguir. Espantada, olhei novamente: tudo havia desaparecido. Nem mesmo a arma de brinquedo que eu portava estava comigo.
Caminhei aliviada. E, para sempre, confusa.
3 comentários:
Bem, que loucura :)
E aconteceu TUDO na minha cabeça, Tejo!
Não sabia que tinha esse dom... Isso daí seria realismo mágico, não? Pois bem, ficou ótimo, já estou te seguindo.
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