"Seu nome completo. Data de nascimento? Profissão? Onde ocorreu o delito? Aqui, senhora, por aqui. Débora, agora é contigo."
Débora deveria ter 37 anos, era loira, um sorriso bonito e bem disposta. "Olá, tudo bem? Sua identidade, por favor?" e seguiram-se as perguntas protocolares. "Ele era moreno como, mais pra negro?" "Ele usou alguma arma?" "Mais ou menos que altura?" Débora computava todas as informações com sua rapidez quase estúpida, tac-tac-tac-tac, Débora fazia aquilo todos os dias, porque havia roubos todos os dias, porque havia ladrões todos os dias. Tac-tac-tac-tac, "o que ele disse pra você?", tac-tac-tac-tac, "enquanto termino aqui você dá uma olhada nesse caderno e vê se consegue identificar o sujeito, mas só confirma se é o autor do crime se tiver certeza, tudo bem?"
Eram dois os cadernos e eram grossos. Cada folha que se passava, um desconforto avolumante. Cinco, sete, oito folhas plastificadas e um rosto de cada lado, e era como se aqueles homens olhassem diretamente para quem investigasse o caderno. Veja bem, olhar é um exercício de dois. E em cada olhar uma faca, um ódio, uma fome diferente e qualquer um que folheasse o caderno dos rostos deveria, por pavor ou por decência, se sentir psicologicamente assaltado de sua média paz.
Wellingtons e Jeffersons e Leandros e Raimundos e Dentinhos e Rafaéis e Orelhas, mas também Marques, Silvas, Moreiras, Damascenos, de Jesus e por um momento foi possível o delírio de ver alguns deles sendo citados formalmente no desenvolvimento de algum projeto social, num jornal de grande circulação, na palestra da universidade; não fosse - ainda - tão certa e tão flagrante a teoria da predestinação. Vinte, vinte e cinco, vinte e sete folhas, Jorge é assaltante de carros, vinte e nove, Fábio aparenta 16, Maicou está identificado com uma etiqueta onde consta "saidinha de banco", quarenta, Valdemir foi fotografado com os olhos fechados. "O que ele levou de você, só o celular?" "É, é realmente complicado, a gente sai cedo pra trabalhar..."
Débora encerra e imprime a ficha no mesmo instante que a última folha do segundo caderno é virada.
As pontas dos meus dedos estão tingidas do negro das circunstâncias.
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