segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

maikin

atacadãoshoppingmetrôpenhamadureiralobo juuuuuuuuunior. com ritmo. apesar da velocidade, tudo é ritmo. passa o troco rápido, bruto o dinheiro, líquido e vivo, as notas de dois azuis membranas de peixe se misturando aos dedos encardidos, dedo e dinheiro quase uma coisa só. do troco passado rápido nas dobras dos dedos o talento bruto pro raciocínio rápido-rapidinho, pra distância, pro tempo, pra maldade. maldade era coisa que só se aprendia, e tinha que ser rápido, se demorasse, se desse mole, se vacilasse, perdia passageiro perdia dinheiro ou tomava o vento frio na nuca duma porra duma glock insuspeita guardada na mochila magra de um vagabundo ou outro que subia na maré. com ele só tinha acontecido uma vez e ele tinha 12 anos e tava há dois meses na van, a mãe do primo falou maikin não vai mais na van não, mas foi ele mesmo quem teimou com a tia, insistiu pra voltar, falou que precisava do dinheiro. voltou.

o expediente começava sempre umas dez horas da noite, hora que quem mora pelo itinerário da van tá saindo pra rua. não fica fazendo nada de bom em casa, janaína, deixa ele ir, ganhar o dinheiro dele, daqui a pouco já tá um homem, não vou ficar sustentando burro velho a vida toda, mas ele tem que estudar, janaína, tu sabe que ele não quer estudar. ele fica com um olho no dinheiro, outro em quem sobe, outro em quem desce e outro nas meninas de minissaia, coisa mais fácil do mundo é botar o olho dentro da calcinha delas, porque a van é apertada e elas ficam sem posição pra sentar direito, porque elas não tão nem aí, porque algumas até gostam de saber que estão sendo olhadas na calcinha. moça, adianta a passagem, por favor, ele se acha educado quando diz isso, muito educado e profissional e o primo já tinha até falado, moleque, tu vai fazer teu dinheiro rápido.

dependendo do horário não sobe passageiro quase nenhum e ele fica olhando o caminho um pouco mais calmo desdobrando na frente dele. a noite e as avenidas se parecem conforme o primo dirige dentro delas, ele acha que fizeram as ruas e as avenidas na cor preta pra que ficassem parecidas mesmo, uma continuando a outra. tem umas coisa que se emendam naturalmente. será que seria mais caro fazer as ruas de outra cor? uma vez perguntou ao primo, o primo riu e disse que não sabia e que aquela era uma pergunta maluca, quer as rua tudo colorida, haaaan bichona, ele riu de volta, sai fora porra, eu sou espada.

esse ano ia fazer dois de van. a maior parte das viagens ficava quieto, gostava de ouvir o que os passageiros iam falando na ida e na volta do caminho mas na volta era sempre mais engraçado. tinha mina bêbada falando que pegou cinco no baile, às vezes subia crente e o primo tinha um pé pesado, os crentes ficavam rezando de olho fechado pra não morrer de acidente e ele ria quietinho. tinha dia que subia um mulão de moleque chapado contando uma mentira atrás da outra porque em que mundo que um moleque feio e duro daquele vai pegar três mina no baile numa noite só, tinha as patricinha também, algumas falavam mais baixo mas tinha outras que também perdiam a linha que nem as da favela, e ele sabia mais ou menos onde todo mundo morava. esse ano ia fazer dois de van. no fim da semana tirava pra ele uns oitenta reais, mais ou menos, e ia juntando alguma coisa, mais pra ele que pra ajudar em casa. o primeiro dinheiro da van ele gastou com uma cerveja geladinha que comprou dizendo ser pro primo, estranhou o amargo e fez uma careta, mas bebeu toda. depois comprou um pacote com três camisinhas pra ver como era. por que é melado assim?

uma vez o primo mostrou pra ele uma revista que guardava no porta-luvas. ele ficou com as imagens na cabeça por muitos dias.

hoje a gente vai rodar até uma certa hora e depois vamo pra uma missão, o primo falava com um mistério na voz, ele foi ficando curioso, que missão, na hora você vê, respeitou a assertividade do comando. admirava o primo em silêncio, especialmente quando ele levantava poeira em cima dos outros motoristas fazendo pega depois do viaduto. queria dirigir como o primo um dia, queria saber beber como o primo, e pegar mulher que nem o primo. o whatsapp dele não parava nunca, toda hora uma voz melosa chamando pra ir pra algum lugar. mas hoje eles iriam pra uma missão. que missão era essa? ele pensou, hoje é quarta, o movimento não é igual quinta e sexta, pra onde a gente vai?

rodaram até mais ou menos 2:30, não fizeram tanto dinheiro naquela noite, por mais rápido que ele fosse ou que o primo dirigisse. a van tomou um caminho diferente pra ele e o primo estacionou. bora beber, moleque, bora, tava cheio o lugar, luzes coloridas piscando. chegando no balcão tinha uma mulher gorda com uma pinta engraçada na testa que recebeu o primo com dois beijos, oi meu coração, mas tá sumido, beijo, tô nada dona valéria, beijo, só muito trabalho mesmo, hm, sei, e esse aí que eu nunca vi aqui, é meu primo dona valéria, maikin, tá trabalhando comigo, mas tão novinho, dedé, ah, a senhora saaaabe como é, moleque tá crescendo... hoje é mais diferente as coisa, a gente veio beber uma!

a mulher sorriu e foi pegando uma garrafa bem gelada, serviu os dois. fica aqui, vou falar uma coisa com ela rapidinho, e levantou, deixando o menino sozinho na mesa. não demorou dois minutos, voltou, que mulher feia, primo, essa era a missão, o primo riu, hahahahahaha num viaja moleque, você ainda vai me agradecer, e os dois ficaram ali bebendo, o primo falando com um e outro que passava pela mesa deles. o menino bebia forçando goladas cada vez maiores, e as luzes pareciam entrar no copo às vezes, molhadas lá dentro. mais ou menos uns vinte minutos depois uma moça com uma saia coladinha e a boca molhada de vermelho sentou no colo do primo, então hoje você trouxe seu primo, tá vendo, trouxe sim, olha o tamanho do garoto, a moça riu um sorriso sem vontade, aí maikin, bonita minha amiga né, é, é bonita, vai lá ensinar ele a dançar suzy, vem maikin.

passou um tempo. uma hora? ele foi deixado no mesmo lugar onde dançava com o rosto todo borrado dos beijos da moça, ainda sem entender muito bem o que havia acontecido, enquanto ela sumia por uma porta escura. o primo bebia com outros três homens, um deles o menino conhecia. ae rapaziada, cria da suzy. todos riram, o menino sorriu, tonto. vou levar a peça pra casa, sipá volto depois.

o menino estava em disputa com o sono ao longo da viagem pra casa. costume, o estado de vigilância é quem não dorme. quantos anos ela tinha? encosta aí moleque, pode dormir hoje. no rádio zeca pagodinho dizia que nunca tinha feito amigos bebendo leite, e com a boca meio mole ele acompanhava a letra; ainda era bem escuro, aquela escuridão que mistura a noite, o asfalto e a porta pela qual a mulher havia entrado guardando alguma coisa dele, enquanto ele pousava, vagarosamente, as pálpebras sobre os olhos.


para rafael simeão

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