Que desmoralização ser sonâmbulo em público. É como tomar banho no meio da rua.
Tudo me afeta. É uma prisão terrível, terrível.
O único equilíbrio empírico é aquele que se prova nas aulas de química.
Respeito tanto o outono carioca que quando ele finalmente chega eu visto tudo que tem no armário duma vez só pra ele ver que fiz-lhe os ritos.
A palavra infinito tem 8 letras porque nada é por acaso.
A palavra é o único assunto do qual se pode falar por uma vida inteira sem incorrer no risco do monotemático.
Só hoje de manhã cheguei à constatação assustadora que o mesmo assombro que me causa o cosmo me causa também a palavra.
O problema é que ele não tinha aprendido a valorizar o alívio.
Falar até falo, mas por trás da palavra estou muda.
O critério é uma porta giratória.
A loucura não é mais que a perda gradual ou imediata da linguagem humana.
Talvez se chame fórceps o nome do procedimento operado pelos escritores que destranca o jorro incontinente nos leitores que não se desconfiava por lá.
Fico desabrigada sem uma caneta azul.
A paráfrase é a invenção do que não existe.
A palavra é instrumento tão instável que a qualquer momento pode se transformar em anti-instrumento e se lhe servir toda em contrário.
O fogo é a mais bonita das criaturas.
As coisas invariavelmente acontecem muito mais rápido do que qualquer um pode entender, porque naturalmente ninguém é deus.
Não me lembro onde ouvi que a edição está muito próxima do cacoete.
Os filhos brincam de apnéia na piscina enquanto a mãe corre o risco do afogamento.
Depois dessa prometi a mim mesma que serei capaz de deixar nessa terra metanos melhores que você.
As pedras submersas são de outra família de pedras. Demora até que se entenda seu metabolismo. Diferentes das pedras criadas em terra seca, ganham guelras discretíssimas e olhos membranados por uma camada fantasma de água, de onde observam, espectadoras máximas, a vida que corre tão devagar no mundo. A água imortal lhes enovela ensinando a paciência; à pressão infinita dos anos inteiros mergulhadas na imóvel vida molhada respondem redondamente.
O clitóris é o sino no topo de um templo.
Não é porque sou mulher que eu escrevo com as entranhas. Eu escrevo com as entranhas porque sou uma mulher feita só de entranhas.
Se a opção for uma, deixa de ser opção. Opção é bando bandoleiro de vampiros da vontade.
Poder extremo dado a umas criaturinhas tão pequenas olhar para o céu e inferir o passado violento dos astros.
Perder um concurso de poesias é o fracasso mais digno que existe.
Uma das minhas militâncias mais aguerridas é pelo direito de não ter resposta o tempo todo.
É de madrugada que os canais da cidade se lembram da genealogia antiga de suas águas anteriores. Chiam tanto para fazer ouvir o choro próprio de água criança que se desgarrou demais quanto para atestar que ali ainda é água de rio debaixo do entulho grosso da civilização.
Nem adianta tentar levar só a minha boceta. Eu vou com meu sexo.
Maternidade é o nome do paraíso do qual todo mundo dispensa padecer.
O que será que passou pela cabeça dos dinossauros naquele dia?
Me dá preguiça e fome o coração hermético.
Já sabe que a felicidade é um estado, e não uma condição, Marina; a felicidade que você sente é uma nostalgização do presente.
Contemplei as ilhas. Dos arquipélagos às ilhotinhas. Por menor que seja uma ilha demorou pares e mais pares de séculos pra nascer e por isso já nascem velhas com o preço da maturidade do individual em riste: romper a casca das águas.
Porque é a vida o mar criou pêlos em sua epidérmica robustez de réptil e lhe emprenhou de milhares de conchas, o mesmo mar que pacientemente lhe roía a forma também a concedia num esmerilhar intenso e especial, sem sossego e sem excessos.
Assim também eram como as pérolas, a ostentação duma inflamação perfeita.
A minha felicidade era tão anômala que necessariamente me constrangia.
A minha felicidade parecia um beija-flor sonâmbulo às cabeçadas no colo das flores.
terça-feira, 14 de agosto de 2018
Nemesis
Nosso assunto começa na boca.
Se teu ofício te encarrega de deliciar o que entra por ela, improcedente não seria dizer que o meu me responsabiliza pelo deleite que o que sai da minha pode provocar. Sim, aqueles que visamos encantar pela boca, devemos impressionar considerando nossas então diferenças quase fundamentais. Tu precisas colecionar essas bocas, em criar e aprisionar matemático dentro delas para assim traduzir nelas o que é o gosto do afeto; elas vão descobrir teu dote na adivinhação molhada das línguas. Tu entras. Meu movimento é inverso, é de expulsão. Preciso aprender, cada dia o primeiro sendo, como concentrar a força, de que maneira pesar cor e tom de cada palavra escolhida, que uma vez fora de mim, não me pertence mais.
Somos terminantemente cientes: o ponto errado (coisa de tempo a mais, ou a menos) avaria o resultado. Mas até falar nisso é complicado: seja tu nos estômagos, ou eu nos ouvidos, só algum aspecto sacerdotístico para nos nomear conquistadores máximos em nossos (a)fazeres. Precisamos languidamente, cada um à sua moda, descortinar o histórico que guarda abaixo de si os sentidos dos que nos requisitam; tateá-los, com ritmo e intimidade, até a submissão, voluntária e declarada. O percurso é exatamente o mesmo, do mais simples ao mais refinado paladar. Magia existe, e acontece assim. Lhe arrenegam os que nunca foram tocados por ela. Alquímicos, nós? Não duvide.
O nobre de nossas tarefas se deve à obrigação compulsória aos nomes que nos antecedem. Ou como honrar consciência e caminho ao dividir o mesmo nome de oficio que Atalla, de Szymborska? É maior que nós o fato: consciência obrigada e debitada de si mesma. Exigências. Tua natureza profundamente discreta desmente tua anarquia verbal. Eu sei, não terás como te defender: ambicionas o celeste das bocas, desde a fruta escolhida com o máximo do olho; o odor dos temperos estalando tuas analíticas narinas adentro. Mesmo com as horas pesadas em tuas costas (largas), a carência completa de noção de quem é míope à tua arte, inspiras o coentro, os cogumelos frescos; tomas de empréstimo o sabor do caldeirão no canto da palma da mão (suave batida da colher-de-pau), deslizas o dedo experiente nas rapas dos tabuleiros, porque sabes o que fazes. Assim, amor, faço com as palavras. É seleção tão difícil quanto, tão próxima quanto. Antes, eu costumava pensar que meu trabalho se parecia mais com o de um estilista, em Balenciaga eu pensava, em Chanel. Afinal, eles também sabiam a importância da precisão de um ponto. Mas pousei meus olhos em ti, e entendi. Como não entender?
Como não entender? Tu dentro; eu, toda fora. Se eu preciso de expansão, se preciso de dois ouvidos (e com isso a exponencialidade por si só já diz do resto), tu atomizas: uma língua bem papilada e está feito. O que fazemos, aí e aqui, é integrar nossa matéria a cada fibra de quem atingimos. As palavras que saem me custam horas debruçada sobre a indecisão, e para todo o visível há muitas sombras de renúncia, momentânea que seja (o descarte é sempre algo momentâneo). Não é também assim quando tu crias? Sabes o que funciona e onde, mas me diga como, sendo quem és, (sendo quem sei que és), como não amar o desconhecido, por que não a ousadia, por que não a assinatura? E assim, depois de tantos passos roubados, aí e aqui, se consolidam duas órbitas colisivas. Porque sim.
A cozinha e a palavra são os duplos perfeitos que nós mesmos somos.
Se teu ofício te encarrega de deliciar o que entra por ela, improcedente não seria dizer que o meu me responsabiliza pelo deleite que o que sai da minha pode provocar. Sim, aqueles que visamos encantar pela boca, devemos impressionar considerando nossas então diferenças quase fundamentais. Tu precisas colecionar essas bocas, em criar e aprisionar matemático dentro delas para assim traduzir nelas o que é o gosto do afeto; elas vão descobrir teu dote na adivinhação molhada das línguas. Tu entras. Meu movimento é inverso, é de expulsão. Preciso aprender, cada dia o primeiro sendo, como concentrar a força, de que maneira pesar cor e tom de cada palavra escolhida, que uma vez fora de mim, não me pertence mais.
Somos terminantemente cientes: o ponto errado (coisa de tempo a mais, ou a menos) avaria o resultado. Mas até falar nisso é complicado: seja tu nos estômagos, ou eu nos ouvidos, só algum aspecto sacerdotístico para nos nomear conquistadores máximos em nossos (a)fazeres. Precisamos languidamente, cada um à sua moda, descortinar o histórico que guarda abaixo de si os sentidos dos que nos requisitam; tateá-los, com ritmo e intimidade, até a submissão, voluntária e declarada. O percurso é exatamente o mesmo, do mais simples ao mais refinado paladar. Magia existe, e acontece assim. Lhe arrenegam os que nunca foram tocados por ela. Alquímicos, nós? Não duvide.
O nobre de nossas tarefas se deve à obrigação compulsória aos nomes que nos antecedem. Ou como honrar consciência e caminho ao dividir o mesmo nome de oficio que Atalla, de Szymborska? É maior que nós o fato: consciência obrigada e debitada de si mesma. Exigências. Tua natureza profundamente discreta desmente tua anarquia verbal. Eu sei, não terás como te defender: ambicionas o celeste das bocas, desde a fruta escolhida com o máximo do olho; o odor dos temperos estalando tuas analíticas narinas adentro. Mesmo com as horas pesadas em tuas costas (largas), a carência completa de noção de quem é míope à tua arte, inspiras o coentro, os cogumelos frescos; tomas de empréstimo o sabor do caldeirão no canto da palma da mão (suave batida da colher-de-pau), deslizas o dedo experiente nas rapas dos tabuleiros, porque sabes o que fazes. Assim, amor, faço com as palavras. É seleção tão difícil quanto, tão próxima quanto. Antes, eu costumava pensar que meu trabalho se parecia mais com o de um estilista, em Balenciaga eu pensava, em Chanel. Afinal, eles também sabiam a importância da precisão de um ponto. Mas pousei meus olhos em ti, e entendi. Como não entender?
Como não entender? Tu dentro; eu, toda fora. Se eu preciso de expansão, se preciso de dois ouvidos (e com isso a exponencialidade por si só já diz do resto), tu atomizas: uma língua bem papilada e está feito. O que fazemos, aí e aqui, é integrar nossa matéria a cada fibra de quem atingimos. As palavras que saem me custam horas debruçada sobre a indecisão, e para todo o visível há muitas sombras de renúncia, momentânea que seja (o descarte é sempre algo momentâneo). Não é também assim quando tu crias? Sabes o que funciona e onde, mas me diga como, sendo quem és, (sendo quem sei que és), como não amar o desconhecido, por que não a ousadia, por que não a assinatura? E assim, depois de tantos passos roubados, aí e aqui, se consolidam duas órbitas colisivas. Porque sim.
A cozinha e a palavra são os duplos perfeitos que nós mesmos somos.
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