todos os dias minha mãe
lançava e içava o balde no poço
muitas vezes até haver
água
repetição cadenciada
encher o filtro
lavar as roupas
cuidar da casa
não confiava na qualidade
da água encanada
procedimento antigo, mãe
desde os artesianos
água saloba
de poço
esforço
costume
muitos anos depois e minha mãe em ossos
era eu quem furava poços
no coração branco da antártida
com a obscura função de vasculhar às cegas
vestígios de outro tempo
minha mãe de lenço na cabeça nos fundos da minha memória
tinha mais braços do que me lembro
e me mantinha tão limpa
e tão indefesa
me punha em tantas águas
manuseando com cuidado meu corpo de criança
caço de mãos submersas
resposta na desertidão dos sais
onde a cor da vida não vai
não há sob a luz da vida
procedimento velho demais