sexta-feira, 11 de julho de 2008

Feliz alucinação

Invadiu a casa de Dionísio, e se sentiu na razão de fazê-lo. Seus olhos, curiosos, vorazes, varavam o lugar, que brilhava sobre a turva luz rubra, roxa, ou o que mais houvessem posto em sua bebida. Já podia sentir o odor da cópula irromper-lhe narinas adentro, passear por seu cérebro e descer ao seu própria sexo, pedindo, querendo. Derramando-se lentamente por todo o interior de seu corpo, um derramar incontido e quente num caldeirão de sensações.
Dia cheio. Ainda estava com as roupas do trabalho. Vagava silenciosamente pelas ninfas e pelos centauros daquele lugar sujo, no coração do Rio de Janeiro. Estava sem companhia, muito propositalmente. Riu-se. Dançou a música convidativa, orgiástica. Beijava quase todos os presentes, usou ácido. As ondas sônicas grudavam em seus ouvidos, incidindo sobre seus atos; todo mundo lhe beijava.
Selecionou então, no meio dos corpos quase uníssonos, uma bela ninfa. Levou-a para um outro lugar, e amou-a torridamente durante quatro ininterruptas horas. Jogou o dinheiro sobre o seu corpo nu, cuspiu nela. Voltou ao amálgama banhado pela oleosa luz irisada que saía de orifícios invisíveis. Bebeu, já sem roupa alguma, entre homens, mulheres, deuses e anjos. Sentiu então uma sensação estranha, como se alguém impertinentemente lhe observasse. A impressão começou a tornar-se progressiva, foi se distanciando das pessoas e procurando suas vestes. Não as encontrava. Uma angústia começou a apoderar-se de seu juízo, o que fez-lhe acertar uma garrafa de vinho na cabeça de um homem. Os presentes estarreceram-se com o sangue, jorrando pelo carpete branco. Seguraram-lhe. Socou a boca de uma mulher, quebrou-lhe os dentes. Livrando-se das mãos que lhe retiam, correu, como veio ao mundo pelo ambiente, procurando qualquer pano que lhe cobrisse a indesejada nudez, e saiu do recinto, num frenesi inédito.
Atropelaram-lhe na 7 de setembro, às seis e quarenta e três do domingo. Morreu com 22 anos, mas sentiu que podia morrer. Enquanto morria, ria-se. Morria feliz, as chamas do inferno envolvedo sua massa disforme outrora chamada corpo, um belo corpo. Abraçava a morte, e a morte lhe abraçava Os olhos risonhos davam adeus ao mundo, felicitados pela sorte de cerrarem-se para sempre.

Um comentário:

Lázaro Barbosa disse...

Essa dá pra ser escritora! E como dá!

Saudações verdes

Lázaro