sábado, 14 de março de 2009

Ata-me

As mãos quentes de Raoni tremiam sob o volante, discretamente. A noite estrelada que fazia não aplacava a sensação térmica de 13º na subida da serra. Do lado do carona, Lúcia acendia um cigarro - ela sabia que Raoni não gostava. Ela estava linda e clássica dentro daquele pulôver tão quente - quente como as palavras não ditas que jaziam entre sua garganta e dentes.
_ Pára de fumar, Lúcia, não posso abrir o vidro.
_ Preciso. Juro pra você que é só esse.
_ Porra, tu é f...
Lúcia sempre tendia à imperatividade sutil e Raoni, mesmo contrariado, aquiescia aos seus caprichos. Era uma sina, uma sina viciosa e renitente se arrastando ao longo daqueles dez anos. Por outro lado, Lúcia sentia um estímulo impossível pela indiferença de Raoni, desde a época do namoro no sofá da sala ao som de Moulin Rouge. Zodíaco. Fantasmas vermelhos de um passado presente. E que merda de vida eles empurravam - ela estava se divorciando de um casamento de 3 anos e havia tido uma filha; a noiva de Raoni havia morrido num acidente coisa de cinco anos.
De supetão, Raoni parou o carro num mirante da Serra. O firmamento, fantástico, todo vestido de negro e corpos celestes era coroado pelo ruído dos insetos e as luzes de Petrópolis, que ainda estavam distantes. Ele saiu, sentando-se no capô do carro. Lúcia acendeu outro cigarro, enquanto olhava para as costas de Raoni, tentando imaginar sua musculatura por debaixo de seu magro casaco. Ela gostava mais dele nu.
_ Bonito aqui, né? - Ela dizia ao se aproximar, eliminando fumaça pelas narinas.
_ É, não dá pra negar.
Fez-se um silêncio tortuante tanto quanto o frio cortante, por exatos dois minutos.
_ O que vai ser, Lúcia?
Ela esboçava um torpe sorriso de canto de rosto. Pelo que ele conhecia da linguagem do seu corpo, aquela expressão era característica de quando ela queria sexo.
_ Sei lá, Raoni. - pisava no cigarro _ ... essa é a nossa história, né? Essa é a troça que o destino fez da gente. Nós somos dois putos que nunca tiveram escolha, cê já parou pra pensar?
_ É... é foda. A gente aqui de novo. Um olhando pra cara do outro. Que graça vai ter a gente se comer dentro do carro igual dois adolescentes? A gente tá ficando velho pra isso, Lúcia. Você tem uma filha. E eu vô seguindo a minha reta...
_ Nunca te disse, Raoni, mas eu sinto muito pela Marcelle.
_ Talvez eu não a merecesse, talvez ela fosse boa demais.
_ Não fala uma porra dessa!
_ Então o quê? Do que que você sabe, Lúcia? Eu digo o que eu quiser, foda-se!
Uma pausa. Uma brisa salpicou os cabelos de Lúcia por seu rosto.
_ ... será que vai ser assim pra sempre, eu e você? Nunca juntos, nunca separados? dez anos, Raoni, dez anos! E que demônio de fogo é esse que não cede?
_ Não faço a mínima idéia, Lúcia. Parece que tá escrito, né?
_ Será que é maldição, será que é mandinga?
_ Acho que não. Trabalhos duram sete anos, se fosse assim, o nosso teria vencido há três.
_ Sei... - Lúcia sorri
_ Lúcia?...
_ O quê?
_ ... você... você me... ama?
_ Sim, como amigo. Como homem não, você já me deu muito trabalho com esse papo de amor. E você? Me ama?
_ Não. Eu gosto de transar contigo, só. Você foi a melhor. A merda é que eu sempre transpareci isso.
- Hum... vamo transar então? Por esse momento?
_ Pode ser. Que momento é esse, desde quando a gente tem 'momento' pra trepar?
_ São nossas bodas de sangue.

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