É consenso geral que a gente vive numa sociedade de merda, mesquinha e excludente. Aliás, onde quer que se instale, uma sociedade sempre desenvolverá uma pirâmide hierárquica, um código, um tudo que funcionará como engrenagens para que esta sociedade avance. Mas, apesar de todas as falhas inerentes ao sistema no qual estamos inseridos de cabeça, ainda somos da sociedade dependentes. Por que?
Há dias atrás, assisti a um filme chamado "Nell", com Liam Neeson e uma inimitável Jodie Foster no papel principal. Na ficção, Nell é uma mulher que se encontra sozinha após o falecimento da mãe, com o agravante de não conhecer o mundo por ter sido criada numa floresta bem distante da civilização. Entretanto, as coisas mudam com a chegada de dois cientistas que visam Nell como objeto de estudo. Num primeiro contato, a moça se revela assustada, reativa, e aparentemente apresentando um dialeto próprio, mas transposta a resistência inicial por parte de Nell, os cientistas constatam que a fala debilitada é um fruto direto da alfabetização que a mãe afásica lhe dera, e que o comportamento arredio e introspectivo é decorrente do pavor que sucitou do inédito contato com estranhos.
Nell é mentalmente debilitada? Não. Mas Nell desconhece leis, regras, música, cultura, chocolate. Ela poderia viver o resto de sua vida na floresta? Absolutamente, mas com a mesma probabilidade de desenvolver algum tipo de esquizofrenia futura.
A prontagonista da ficção é a prova definitiva da imprescindibilidade da sociedade. A sociedade, que liga as pessoas, abre pontes que enriquecem os seres humanos e ainda os alimenta espiritualmente. A sociedade é um vórtice ininterrupto de trocas de informação constantes. Sem esse conectivo, Nell foi totalmente desligada do mundo, sem amadurecer mentalmente como mulher. Queiramos ou não, a sociedade é uma necessidade; o antídoto e/ou justificativa para a loucura, inescapavelmente. Precisamos da sociedade para o escambo cultural, para o desenvolvimento, maturação, reprodução, formação de conceitos, de conduta. Do mesmo modo que moldamos uma comunidade a partir das nossas atitudes, somos concomitantemente por ela moldados, e é isto que amplia uma infindável cadeia de relações. Nossa Nell é um elemento esterelizado pelo isolamento, que desconhece os impactos felizes ou dolorosos embora conheça ambas felicidade e dor no que pôde aprender em sua própria vida - afinal, as emoções humanas fazem parte do inatismo do ser.
Apesar de toda a imundície na qual nossa sociedade está imersa, não há escapatória: ninguém vive fora dela. E não importa o quanto se tente fugir dessa condição; uma hora a necessidade nos devolverá à ela.
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