terça-feira, 23 de setembro de 2008

Dilemas temporários

Eu nunca nasci, tampouco estou fadado a morrer, como vocês. Eu não tenho idade, não tenho umbigo nenhum. Sou oniciente, sei tudo o que você fez tanto no verão passado como em todos os outros. Estou lá e aqui. A minha função é passar. Nada escapa do meu alcance: formigas, letras, sequóias, galáxias; eu consumo tudo, tudo me pertence. A única certeza que tenho é que por mais que eu passe, enquanto acumulo rugas no seu rosto, eu sempre sou. Não envelheço, meu caráter é o mesmo desde sempre e, ao contrário do que pensam, eu não mato ninguém. Vocês obedecem, apenas a um ciclo, como todas os outros seres vivos.

Há toda sorte de definições a meu respeito, mas por decerto não visto nenhuma delas. Eu estou aqui antes de Deus, tanto o que foi criado por vocês quanto o que realmente existe.

A despeito da concepção individualista, em primeiríssima mão venho te confessar um grande segredo: eu sou absolutamente constante. Uns alegam que não me têm; outros dizem que me têm demasiadamente e não sabem o que fazem comigo. EU te digo: mentira. Todos me possuem exatamente na mesma proporção; o que os difere é a forma com a qual me administram. Pôr a culpa em mim? Desaforo. Logo eu, que sou tão solícito, justo, invariavelmente imparcial e, como dizem tantas culturas populares, sábio.

Sabedoria. Sou sábio de verdade? É sábio observar tudo o que eu passo? Não, não é. É interessante. Acho que os seres humanos admitem esse conceito baseado em coisas, cargos ou pessoas que demoram pra conquistar, daí dizem que eu sou sábio. Mas sábio, eu? Não. Sábia é a perseverança; eu só sou a distância entre ela e o que quer que for.

Eu sou passagem, sempre. Nesse ponto, eu e você convergimos. Eu obedeço a uma função imorredoura de passar, e passar, e passar, e passar. Nada é eterno, somente eu, que aqui estou e para sempre ficarei. Mas vocês podem fazer a diferença, e ficar em mim por um bom tempo.

Por um bom tempo.
Nada é eterno além de mim, como eu já disse.

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