Olá, meu fantasmagórico leitor. O post de hoje é um manifesto de rechaço à estupidez legitimada presente nos TAF's das muitas instituições militares espalhadas pelo Brasil e mundo afora. Você deve estar aí pensando "Mas que diabo é isso, Ana, isso não tem nada a ver com o que eu e os outros fantasmagóricos leitores assíduos do seu blog estamos acostumados a ler! Perdeu a cabeça?!" mas, na verdade, foi após uma noite em claro que me certifiquei, definitivamente, que não há necessidade por parte dos superiores, generais, sargentos e o cacete a quatro de agir com essa rispidez em relação aos concursados.
Se você caiu neste blog por acaso (e que feliz acaso te trouxe até aqui!), e é justamente um desses superiores, generais, sargentos ou o cacete a quatro, certamente vai se indagar, com um sorriso no canto da boca: "É mesmo papo de vagabundo-aluno-de-federal, acostumado à mamata do 'Estadinho'. Ainda por cima é mulher. Por acaso esperava, se fosse homem, chegar a um quartel e encontrar bananinha amassada e ar-condicionado? Como é que um soldado fisicamente despreparado seria capaz de enfrentar tudo aquilo que vai passar sem o TAF? Dá vontade de dar na cara de uma sujeita dessas..." Como se vê, em ambos os casos, há a inquietação. Mas eu sei do que estou falando, e vou justificar.
Meu namorado, Jefferson, está passando pelos amaríssimos testes físicos do CBMERJ (corpo de bombeiros do Estado do Rio de Janeiro). Ele está todo contente, e eu também, claro, porque foi duro - duríssimo - esperar ansiosamente pelo resultado e conseqüente classificação dele na relação emitida pelo site oficial do concurso. Tudo bem.
Os testes físicos começaram na segunda-feira, dia 13 de outubro de 2008. Rezei pelo meu Jefferson, desejando tudo de bom não só para ele, como para todos os outros combatentes que iriam se apresentar neste dia, em São Cristóvão. Ao chegar em casa, ele me ligou me contando (a barbárie): no asfalto rascante de 11:00, ele e os demais "caíram". Disse ele que, certamente, foi pra mais de 300 flexões pagas. O pior não é isso. Flexão, aquela que, nós leigos - isso te excetua, fantasmagórico leitor sargento, superior, general e o cacete a quatro - conhecemos, é aquela em que descemos e subimos. Mas meu namorado, como os outros, foi obrigado a pagar a tal "Flexão 2", que consiste em sustentar todo o peso do corpo na posição de flexão. No asfalto rascante e, só pra acrescentar, punho cerrado.
Mas isso não é tudo. Houve outras inúmeras desumanas provas que eu realmente gostaria de lembrar e pôr aqui. O resultado disso? Ao término destas provas, um dos combatentes prestou continência e caiu, com o corpo todo, de cabeça no chão. Às pressas foi levado para uma ambulância. Outros combatentes estavam exauridos até os ossos. Jefferson me mostrou seus ossinhos das mãos. Queimados e ralados. O rosto, muito queimado do sol. Inclusive, um de nossos amigos ligou para ele e disse ter sofrido uma insolação. O outro passou mal duas vezes durante o teste.
Não quero que vocês pensem que acho que tudo tem que ser "molezinha". É ÓBVIO que deve haver um esforço físico muito considerável - estamos falando de uma profissão que implica no salvamento de vidas, e não conhecemos a adversidade até vê-la de frente - . Os combatentes devem estar muito bem condicionados para pegar no batente, até aí tudo bem. Mas querer burlar os limites do corpo para poder trabalhar é que não concordo. Nosso organismo tem um limite, e é de alta periculosidade que tentemos transpor este limite. Querem dopping? Modificações genéticas? Então eles querem mutantes trabalhando, não seres humanos. Uma carga de exercícios justa, consistente, de largas horas, e que até desse uma dorzinha muscular, mas ministrada por cuidados posteriores, seria razoável. Mas isso não é tudo. Acho que não custa o superior, sargento, general ou o cacete a quatro forçar seus combatentes, porém, de modo a incentivá-los, não os pondo para baixo. "Vai, não pára não!", "Isso, vambora que dá!" são frases que surtiriam muito mais efeito que as agressivas que já são conhecidas por qualquer pessoa de fora. E o pior é que ainda há pessoas que acreditam que é por este método animalesco que "se aprende a ser homem". Se aprende a ser homem através da brutalidade? Com o perdão das instituições militares, mas os maiores homens são aqueles cuja força está no pensamento e nas palavras, não nos músculos e na agressividade.
Posso até estar equivocada, mas decididamente eu desacredito deste meio para se "fazer homens de verdade". Quanto à minha noite em claro, foi cuidando do meu namorado, porque ele estava com a dor muscular mais forte que já sentiu desde que se lembra, que ia do esternocleidomastóide ao antebraço. E dá-lhe massagem com cânfora, cremes, dorflex, duas injeções, gelo, compressa quente, mais comprimidos e uma noite inteira sem paz, tanto dele quanto minha. Isso não é, de maneira nenhuma, reclamação minha: é um prazer cuidar de quem eu amo. Mas foi este episódio, inédito em minha vida, que me fez refletir sobre o ideário parcialmente vazio do militarismo, aqui e lá fora.
Espero (e sei que é melhor pegar a cadeira) que essas instituições e corpos militares revejam suas posições diante da saúde de seus combatentes nestes testes físicos. Porque, sem ela, não se formam bombeiros; mas zumbis condicionados.
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