Como não existe outro pai, outra mãe, outro irmão. O amor primeiro é invicto, e se estilhaça em milhares de pedaços por todo o sangue, integrando-se como parte legítima de nós. E não nos deixa, não importa o quanto amemos outrem ou nos esforcemos para fingirmos que não há nada. Nada é a única coisa que não pode morar no breve espaço de entreolhar o grande e primeiro amor. Porque ele é o começo, é tatuagem. É a lembrança acredoce de um tempo que já foi, e que a poeira dos anos vela com encanto, cuidado e saudosismo. Ele está lá. Num lembrete velho e amassado no fundo da gaveta, numa foto sem nitidez no cantinho da estante, numa mania tão deliciosamente irritante. O amor primeiro inaugura a porta para todos os amores, e sela definitivamente a paz que um dia morou em nós.
Como não parecer este um texto diretamente extraído de revistas adolescentes? Por um só fato: pela ausência de idade em se tratar deste tema espinhoso. Porque é simples demais falar das primeiras impressões do amor a um adolescente, que está desabrochando para a vida neste instante. A maldição do amor primeiro é tão certa quanto o dia de nossa morte, e muitas vezes serve de comparação para todos os outros relacionamentos posteriores.
Como tudo o que existe, até mesmo o amor primeiro tem seu tempo. Não se trata de uma contradição, afinal, quantos milhões de casais, desde a antigüidade até os nossos dias descobriram em outros braços a felicidade plena? E quantas crianças não nasceram de uniões outras provenientes de outros relacionamentos que não o amor primeiro? É evidente que existe felicidade em outros envolvimentos. Ninguém disse aqui que o primeiro amor deve ser o único. E Deus que nos livrasse que o fosse! Imagine, você, jovem, tendo tido como único parceiro (a), seu primeiro amor. Quanto horror! Quanto desperdício! Quero acumular beijos e sensações ao longo de toda a minha vida, experimentar corpos e gostos a gosto. Se um dia eu sentir necessidade de ancorar num coração válido, que seja. Então serei feliz como mãe e esposa. Mas será que esse dia chegará?
A maldição do amor primeiro consiste no fato deste sempre povoar os pensamentos mais soltos de nós. De vir à cabeça numa música que invada nossos ouvidos sem pedir licença. De nos pegar de surpresa no oco das memórias. Essa questão é incrível e sinergicamente inacreditável: dos amores-primeiros, nasceram fantásticas histórias que a literatura consagrou, foram descobertas as curas mais difíceis, foram criadas fórmulas para o impossível. Muitos casais encontraram no amor primeiro o eixo de suas existências, e isso ainda hoje acontece, apesar da pouca incidência. O único jeito de livrar-se completamente do amor primeiro é pela reencarnação. Mas há maneiras saudáveis e inteligentes de não se entregar totalmente ao saudosismo doentio desse tipo de amor - estratégias para reduzir os efeitos dessa maldição -, entre elas (e a mais eficaz delas) é manter-se apaixonado por alguma coisa. Seja por várias pessoas, por uma só - e todos os dias -, por você mesmo, pela vida: apaixone-se; e deixe-se apaixonar. Seja apaixonante. É o melhor talismã contra essa (gostosa) maldição.
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