Lúcia tinha 9 anos, e era a única menina de Yolanda. Seus irmãos mais velhos estudavam, ou focavam-se em outras coisas; tinham costumes que não eram de seu feitio. Sozinha, sem amigas na rua, a menina tentava divertir-se ao seu modo.
Passava longas horas da tarde sob o flamboyant que situava-se à frente da casa da avó. Não sabia o porquê, mas como adorava aquela árvore. Arrancava-lhe as folhas, e as jogava sobre si mesma como se fossem pedaços de sonho, como se fossem confetes. Contava seus segredos ao flamboyant, seus medos, seus estranhamentos quanto ao desconhecido. E ria-se, como se aquela árvore lhe abraçasse. Gostava mesmo é da primavera - seu inverno humilde também era um fator relevante - que era quando o frondoso e imperial vegetal se abria, rubro, orgulhoso de si e do carinho de Lúcia para com ele.
O tempo passou, e a contragosto do Flamboyant, Lúcia cresceu. Já não conversava mais com ele como antes. Vieram a menarca, aquela fatal e dolorosa divisora de águas, a vontade estranha de conhecer meninos, desejo de olhar-se no espelho. Mas ela ainda nutria aquele grande amor por aquele ser que a fazia sentir-se tão bem, e esporadicamente, visitava-o. Ainda sentia o peito acalentar-se sob suas folhas, naquele ritual particular de lançá-las ao ar. Mas o flamboyant sentia ciúmes dela com a vida nova que estava vindo, não gostava da idéia de perdê-la.
Mas um dia, aconteceu algo que Lúcia não esperava, muito menos queria. A beleza do flamboyant se expandia muito, e ela sentiu o coração rachar quando ouviu aquela explicação pobre de sua mãe: "as raízes estavam destruindo a calçada. Se ele continuasse crescendo daquele jeito, podia acabar destruindo a frente toda." Aquele porco comentário assassinara seu melhor amigo, a golpes de serrote e ignorância. Ela não digeria a idéia de sentar-se ali sem a proteção de seu magnânimo verde-rubro escudo, morria naquele dia parte de seu passado, e tudo o que ela queria saber era o porquê. Sim, uma explicação lhe fora apresentada, mas não lhe era plausível.
O tempo varreu as folhas e a dor. Anos mais tarde, Lúcia sentou-se no toco salgado, e lembrou com saudade de como um simples gesto lhe proporcionava uma felicidade quase patética, mas verdadeira. Como laços que podem durar anos soam tão efêmeros quando o vento sopra. A morte do flamboyant foi um marco na vida da menina, que hoje, mulher, perpetua sua história para que aquela árvore permaneça sempre viva e atravesse todas as gerações possíveis.
HOMENAGEM AO DIA DAS MÃES
2 comentários:
é realmente triste que existam muitas pessoas assim...
Muito obrigada !
O seu blog também está lindinho!
beijos
Amo contos e gosto muito da maneira que escreve. Parabéns, Ana!
Um beijo
www.chadesaquinho.wordpress.com
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