terça-feira, 6 de maio de 2008

Os novos malandros

O cenário não é mais a Lapa cinqüentista e suja, que ainda hoje é o referencial para o berço da boemia carioca. Eles não trajam mais branco, não sambam como antes, nem tiram - eles nem têm - o chapéu pra ninguém. Toda essa roupagem hoje está à sombra, habita um passado louvável de noites infinitas regadas à muita cerveja e cachaça; um glamour extinto que ainda irradia uma luz fraca de lantejoulas foscas, como olhos os cansados de um velho decadente num botequim.
Morreram todos os malandros. Eles morreram, com seus trajes, suas gírias, seus costumes, seu modo todo particular e escrachado de gritar sua marginalidade e sua cultura a um Rio quase integralista, na década de 50. Eles pereceram diante do pragmatismo e da efemeridade que a cultura popular está exposta, a todo tempo. Mas anunciar sua morte - não trágica, pois sua iconografia está viva e arde na memória da cidade maravilhosa - não é negar sua importância diante do futuro. Muito pelo contrário.
Os velhos malandros pingaram no mar da diversidade cultural a sua semente, e ela deu frutos. Hoje, eles descem o morro, com bonés para trás, um queixo imponente e pronunciado, já alardeando que estão chegando. Não estão sempre ligados ao crime, nem ao tráfico de drogas; há muito mais charme no neo-malandro dissociado dessas práticas ilícitas.
Eles tomam as praias da Zona Sul, arrebatam os olhares das bem criadas do asfalto. Têm ginga, têm suingue, têm um balanço estranho nos quadris. Vendem picolés, artesanato, bijouterias, óculos de sol. Ninguém sabe explicar direito o porquê do jeitinho deles, porque, apesar da falta de recurso, exibem uma pele parda ou negra tão lustrosas, tão convidativas. Passam perrengue lá em cima: às vezes falta água. Feijão. Às vezes a mãe tem pressão alta, e é um corre-corre pra arrumar um Niphelat ou similar. Poucos conhecem os pais; eles chegaram muito cedo para suas mães. Mas isso tudo fica pra trás, morre. No asfalto, eles dominam toda sorte de comércio, a pena maior é que essa sagacidade é o melhor artifício e sua venda está indisponível. Pior ainda: não se aprende nunca. Nasce-se e morre-se com ela. Eles são a melhor ilustração para o "João Gostoso" de Manuel Bandeira, fazem um samba na ponta do pé instantâneo, abrem sorrisos dos turistas.
Eles são os novos malandros que, a caráter dos póstumos, driblam as adversidades da vida com toda a sua ginga e seu talento multifacetado para enganar a dor. Eles também sofrem: queriam a estabilidade dos play-boys (não seriam a alta-sociedade cinqüentista hereditariezada?) que de vez em quando, gostam de tirar um sarro de seus cabelos aloirados, ou da cor de sua pele. Mas eles brilham, a despeito das circunstâncias, e eles tomam o carnaval, bem como os dois primeiros meses do ano, que no Rio de Janeiro, apinha de alemães, ingleses e um sem número de outros. Eles tiram de tudo o que poderia dar errado um sambinha (ou um funk), e, com aquela quebradinha charmosa, vão inserindo uma perspectiva um pouco mais positivista à realidade na qual estão incluídos, sem discrepância nem distanciamento do morro: mas fazendo valer a herança da raça e da cor com as quais foram abençoados.

2 comentários:

Unknown disse...

mulé!!
num sabia que você tem um blog !
bom, eu agora tenho também!
=D
beijos

Unknown disse...

Amiga, seu BLOG está lindo!!
Você escreve maravilhosamente bem!
Quando eu crescer, quero ser igual a você!!

Te amo mtu!!

Parabéns, beijos, Nath