Ela era a personificação da inveja do morro. Principalmente quando, aos sábados, descia as vielas com seus trajes sumários, seus olhos verdes, suas canelas magras, seu jeito. Tinha gingado, tinha uma delícia que morava nas expressões de exagero, tinha a manha que só os seres dotados das duas sortes possuíam, como se essa característica lhes fosse reservada ainda no ventre.
Pretinha.
Tinha 23 anos, 9 deles mergulhados no mundo noturno. Era amiga do dono do bar, das imberbes adolescentes, e conhecia muitos carnavalescos. As mulheres do morro não gostavam de assunto com Pretinha, não gostavam de olhá-la nos olhos. Tinha fama de quizumbeira, de macumbeira, de aidética, mas nada disso lhe doía. Era uma pessoa de destaque. E gostava de ser assim. Também fazia grande sucesso entre os homens, outrossim, estes suicidariam-se se descoberto seu envolvimento com ela, aquilo seria uma vergonha. Mas Pretinha não ligava, sua vida era o livro mais aberto de toda favela, e também uma grande colcha, na qual costuravam-se retalhos da vida de outras pessoas.
Mas naquela manhã parte do morro amanheceu em dor, e ninguém entendia o corpo de Pretinha inanimado no chão, os hematomas em seu braço direito, a mancha de sangue no chão. As meninas vieram correndo do coleginho, chorando; uma se debruçou descompensada sobre o corpo da Pretinha. Quem estava no asfalto dizia que foi uma briga, outros diziam que ela havia roubado uma alta soma de um cafetão muito perigoso. Ela não seria idiota. Disparou-se então uma série de acusações, em todos os olhares. A verdade é que a verdade não veio à lume, a mídia não subiu morro nenhum e Pretinha, agora um anjo mutilado, foi enterrada discretamente, no alto do morro onde nasceu.
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