A nossa fada azul
Recentemente assisti a um filme de alguns anos atrás, que teve grande audiência na época de seu lançamento. Trata-se de A.I (Artificial Intelligence, no original), e aqui no Brasil já foi exibido na televisão aberta. Não é a primeira vez que assisto a esse filme, mas é a primeira vez que enxergo quão densa é a sua mensagem. Para os amantes do diretor do mesmo, recomendo: essa é mais uma das memoráveis obras spielbergerianas. Mas acho que a graça do filme fica mesmo por conta da mensagem, que aliás, são duas.
Um precoce e hipnótico Haley Joel Osment “encarna” David, um robô que, na ficção, é o único de sua série capaz de nutrir sentimentos pelas pessoas. Em dado momento, ele é rejeitado e abandonado numa floresta, onde precisa aprender a se virar, e a partir daí desenrola-se a trama, pois ele parte em busca de uma suposta “fada azul”, que seria capaz de transformá-lo num menino real, tal e qual o conto de Pinocchio. O então robozinho se aventura por lugares ermos, conhece personagens diversos com um quê de Kurosawa. Outrossim, nada de fada azul.
É lá pelo fim da história que a tal figura lendária se materializa bem diante dos olhos de David, e aí é possível traçar um paralelo entre o filme e nossas vidas. Para o pequeno David, a fada azul representava um sonho, e não importaria o quão distante ele estivesse, ele iria persegui-lo, pois era aquele sonho a razão pelo qual ele estava vivo – ou ligado. O sonho de David era o motor de sua vida – útil? – e renunciar ao mesmo seria deixar-se morrer. Ainda existe outra lição do filme que podemos extrair, embora eu a considere um poquinho mais inconspícua: a preciosidade que é a condição humana de vida, porque o ser humano é divino, apesar de toda a adversidade e desvalorização do homem para consigo. Em melhores palavras, “a vida é tão rara”, como bem disse Lenine, em uma canção.
O que seria de nós sem nossas ambições, sonhos, ideais, desejos, emoções? Viver pelo simples fato de respirar não é o bastante, porque o cerne da existência consiste em muito mais que isso. É perseguir a fada azul até o olho do furacão. É aprender com os erros, e errar de novo. Ser fraco, chorar baixinho no escuro é natural, e pode até fazer bem, ninguém é rochoso todo o tempo. Viver é ir costurando a nossa história com a de outras pessoas, ir conhecendo gente nova e gente que a gente pensa que já conhece há muito tempo. É caminhar permanentemente fazendo escolhas, ora frívolas, ora definitivas. Quase sempre definitivas. Existem milhões de metáforas para designar o que é a vida e o que é viver, mas o melhor jeito de empregá-las todas de uma vez é simplesmente aplicar o saturado e válido preceito de fazer valer a pena. E dá certo. E é a melhor maneira de encontrar a fada azul que, na maioria das vezes, está repousando sobre o nosso ombro.
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