Sofia se levanta e contempla no espelho o inchado nariz ainda sob as faixas brancas. Boceja uma solução com flúor e confere as horas: 6:30. Em 40 minutos, ela deve estar linda e impecável num estúdio frio, no coração de uma Tóquio hostil com anoréxicas de 16 anos. Enquanto isso, em meio ao restante de sono, vê, difuso nas imagens débeis, o Bê. O Bê chegando para recebê-la no aeroporto. Para abraçá-la, aqueles braços forts contornando sua cintura esquálida, aquela voz gostosa no seu ouvido, acabou Sô, vamos pra casa.
Noutro canto do mundo, mlle Liz não sabe como conviver com o gosto fresco do sexo de Virginie ainda em sua boca. Ela queria, no seu íntimo, ser como a prima, a mlle Ceault, uma adorável libertina; mas o medo da guilhotina era muito maior. Era uma França de dias secos e despedaçados, e Virginie se casaria com o porco Willem, aquele maldito camponês que desconhecia seu corpo por completo. Ah, se mlle. Liz pudesse matá-lo; tão grande era sua devoção por Virginie! Ah, ignominioso ciúme! Ela, que tanto amava a indiferente e impossível Virginie...
Anoitece em Havana. Armandito sai de sua suntuosa residência para encontrar-se com Bea, ainda procurando razão para esta loucura enquanto o coração sambava em seu esôfago, sem compasso. O exército de Batista fuzilaría-os tranquilamente, se suspeitasse de qualquer coisa. Se descobrissem que Bea era uma das revolucionárias então, muito pior ficaria. O medo cresceu em Armando, dividindo espaço com seus poros, elevando seus pêlos. E ele voltou, e nunca mais viu Bea outra vez.
Jorge estava velho, e sabia disso. Sabia que estava se decompondo em sua gasta cadeira de balanço de palha. Dora, a filha, lhe fazia o café, preto como ele. Café forte, café cheiroso. Fumando um cigarro, ele despretensiosamente pousou os olhos numa foto da velha Marta, que em outro dia, num lugar do passado, fora só a Martinha. Aquela neguinha linda que sambava, tanto na Sapucaí quanto sobre seu indefeso coração. Ah, Martinha! Era Iansã encarnada. Aqueles olhos lodosos. Tuas curvas. Em 43 anos de casamento, a velha Marta não fora dele um só dia. E ele sabia disso tanto quanto tinha plena consciência do pouco tempo que lhe restava. Três anos antes, um AVC fulminou Martinha, deixando o velho Jorge mais seco, mais amargo, e ainda mais sozinho. Ruim com ela, muito pior sem ela.
Enquanto isso, a primavera explodia em Amsterdam. Os campos amplos dos moinhos coloriam-se em flores, dos mais distintos formatos, tamanhos, nuances. Seth desce as escadas correndo, aos tropeços. Beija sua mama, e sai em disparada para mergulhar na imensidão daquela pintura viva que se desenha na sua frente. Tragado pelas flores, ele vai coletando cada uma, até que bate à porta de Margot. Ela fazia 8 anos, e usava um vestido de lacinhos amarelos. Timidamente, entrega-lhe o buquê meio desajeitado que compôs, e ganha um pequeno beijo com gosto de maçã verde dos róseos lábios de Margot. Aquele seria o maior acontecimento na vida de Seth. Ou, pelo menos, daqueles 9 anos.
Todos os amores são absurdamente possíveis. Basta meia colher de surrealismo e uma dose a gosto de vontade.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
A maldição do amor primeiro
Como não existe outro pai, outra mãe, outro irmão. O amor primeiro é invicto, e se estilhaça em milhares de pedaços por todo o sangue, integrando-se como parte legítima de nós. E não nos deixa, não importa o quanto amemos outrem ou nos esforcemos para fingirmos que não há nada. Nada é a única coisa que não pode morar no breve espaço de entreolhar o grande e primeiro amor. Porque ele é o começo, é tatuagem. É a lembrança acredoce de um tempo que já foi, e que a poeira dos anos vela com encanto, cuidado e saudosismo. Ele está lá. Num lembrete velho e amassado no fundo da gaveta, numa foto sem nitidez no cantinho da estante, numa mania tão deliciosamente irritante. O amor primeiro inaugura a porta para todos os amores, e sela definitivamente a paz que um dia morou em nós.
Como não parecer este um texto diretamente extraído de revistas adolescentes? Por um só fato: pela ausência de idade em se tratar deste tema espinhoso. Porque é simples demais falar das primeiras impressões do amor a um adolescente, que está desabrochando para a vida neste instante. A maldição do amor primeiro é tão certa quanto o dia de nossa morte, e muitas vezes serve de comparação para todos os outros relacionamentos posteriores.
Como tudo o que existe, até mesmo o amor primeiro tem seu tempo. Não se trata de uma contradição, afinal, quantos milhões de casais, desde a antigüidade até os nossos dias descobriram em outros braços a felicidade plena? E quantas crianças não nasceram de uniões outras provenientes de outros relacionamentos que não o amor primeiro? É evidente que existe felicidade em outros envolvimentos. Ninguém disse aqui que o primeiro amor deve ser o único. E Deus que nos livrasse que o fosse! Imagine, você, jovem, tendo tido como único parceiro (a), seu primeiro amor. Quanto horror! Quanto desperdício! Quero acumular beijos e sensações ao longo de toda a minha vida, experimentar corpos e gostos a gosto. Se um dia eu sentir necessidade de ancorar num coração válido, que seja. Então serei feliz como mãe e esposa. Mas será que esse dia chegará?
A maldição do amor primeiro consiste no fato deste sempre povoar os pensamentos mais soltos de nós. De vir à cabeça numa música que invada nossos ouvidos sem pedir licença. De nos pegar de surpresa no oco das memórias. Essa questão é incrível e sinergicamente inacreditável: dos amores-primeiros, nasceram fantásticas histórias que a literatura consagrou, foram descobertas as curas mais difíceis, foram criadas fórmulas para o impossível. Muitos casais encontraram no amor primeiro o eixo de suas existências, e isso ainda hoje acontece, apesar da pouca incidência. O único jeito de livrar-se completamente do amor primeiro é pela reencarnação. Mas há maneiras saudáveis e inteligentes de não se entregar totalmente ao saudosismo doentio desse tipo de amor - estratégias para reduzir os efeitos dessa maldição -, entre elas (e a mais eficaz delas) é manter-se apaixonado por alguma coisa. Seja por várias pessoas, por uma só - e todos os dias -, por você mesmo, pela vida: apaixone-se; e deixe-se apaixonar. Seja apaixonante. É o melhor talismã contra essa (gostosa) maldição.
Como não parecer este um texto diretamente extraído de revistas adolescentes? Por um só fato: pela ausência de idade em se tratar deste tema espinhoso. Porque é simples demais falar das primeiras impressões do amor a um adolescente, que está desabrochando para a vida neste instante. A maldição do amor primeiro é tão certa quanto o dia de nossa morte, e muitas vezes serve de comparação para todos os outros relacionamentos posteriores.
Como tudo o que existe, até mesmo o amor primeiro tem seu tempo. Não se trata de uma contradição, afinal, quantos milhões de casais, desde a antigüidade até os nossos dias descobriram em outros braços a felicidade plena? E quantas crianças não nasceram de uniões outras provenientes de outros relacionamentos que não o amor primeiro? É evidente que existe felicidade em outros envolvimentos. Ninguém disse aqui que o primeiro amor deve ser o único. E Deus que nos livrasse que o fosse! Imagine, você, jovem, tendo tido como único parceiro (a), seu primeiro amor. Quanto horror! Quanto desperdício! Quero acumular beijos e sensações ao longo de toda a minha vida, experimentar corpos e gostos a gosto. Se um dia eu sentir necessidade de ancorar num coração válido, que seja. Então serei feliz como mãe e esposa. Mas será que esse dia chegará?
A maldição do amor primeiro consiste no fato deste sempre povoar os pensamentos mais soltos de nós. De vir à cabeça numa música que invada nossos ouvidos sem pedir licença. De nos pegar de surpresa no oco das memórias. Essa questão é incrível e sinergicamente inacreditável: dos amores-primeiros, nasceram fantásticas histórias que a literatura consagrou, foram descobertas as curas mais difíceis, foram criadas fórmulas para o impossível. Muitos casais encontraram no amor primeiro o eixo de suas existências, e isso ainda hoje acontece, apesar da pouca incidência. O único jeito de livrar-se completamente do amor primeiro é pela reencarnação. Mas há maneiras saudáveis e inteligentes de não se entregar totalmente ao saudosismo doentio desse tipo de amor - estratégias para reduzir os efeitos dessa maldição -, entre elas (e a mais eficaz delas) é manter-se apaixonado por alguma coisa. Seja por várias pessoas, por uma só - e todos os dias -, por você mesmo, pela vida: apaixone-se; e deixe-se apaixonar. Seja apaixonante. É o melhor talismã contra essa (gostosa) maldição.
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
O padre é pop
Não sei se todos vocês conhecem o belo trabalho do Padre Fábio de Melo. É bonito mesmo. Eu tinha ouvido falar desse padre antes de sua repentina fama, e vejo nele um ótimo referencial para os outros teólogos, por assim chamar. Ele não é dado ao estrelismo marcelorrosiano, ao contrário do que algumas pessoas já estão julgando por aí. Ele inclusive tem um programa maravilhoso, que mais precisamente mostra sua subserviência a Deus no canal Canção Nova, onde prega, com uma linguagem prática, despida de fanatismos nem apelo ao capital. Enfim, Fábio de Melo é um cara que, apesar da batina, leva uma vida perfeitamente normal: passeia, viaja, se veste normalmente, bebe umas... tá gente, brincadeira!
Acontece que a mídia encontrou o Fábio. Seu jeito inteligente e modesto, sua singeleza e, óbvio, seu rosto de traços másculos e harmoniosos, seus dentes branquinhos, sua pinta de Gael Garcia Bernal. E tudo o que se vende ou se trata de Fábio de Melo é agora veiculado, preponderantemente à sua - muito, muito bem apessoada - imagem. Seu último show, no Canecão, Rio, reuniu , em grossa parcela, pessoas na faixa etária de 15 a 25 anos - estando contidas aí umas poucas e boas histéricas que, na vã esperança de desviar o homem de sua vocação, gritavam "lindo" da platéia.
O padre é pop. Não por escolha própria; mas pelo empurrão midiático em torno de sua figura. Novamente e como sempre, os veículos que disseminam a informação e a novidade voltam seus holofotes para o sangue fresco, o físico: esta matéria divinamente emprestada. Como se ela fosse mais importante do que aquilo que se tem a dizer. Em se tratando de pessoas que vivem da imagem, é relutantemente aceitável (minha visão). Mas e no caso da alma boa Fábio de Melo? Isso aconteceu - e acontece - também com Barack Obama. Sua forma jovem e esbelta foi vista como a personificação de uma provável mudança positiva em termos de E.U.A e mundo; enquanto seus programas nebulosos a cerca da política interna/externa permanecem velados por esta estúpida cortina construída à base de seu "carisma", sempre catapultando sua imagem warholizada à frente do conteúdo. Mas, voltemo-nos ao pop padre, com o perdão do próprio.
Não nego. Existe um parcial charme, com ares de volúpia imoral entremeados de pecado e danação eterna quando se olha para alguém que canaliza os anseios de Deus com desejo sexual (consenso culturalmente ocidental, nunca o meu). Eu mesma iria fácil no Fábio, muito fácil; mas acima de tudo, tenho profundo respeito por sua escolha, a ponto de nunca externalizar meu desejo por ele se um dia me encontrar diante dele, esse bom caminho inteiro. Vejo, em primeiro lugar, a densidade de suas canções, a potência de suas mensagens fantásticas, e realmente almejo que ele conquiste muitas pessoas com sua simplicidade, que visam o bem do próximo entre alguns outros valores nos quais ainda tenho fé. Depois, secretamente, me refestelo naquele olhar, que na ausência de uma definição pagã, é simplesmente divino...
Acontece que a mídia encontrou o Fábio. Seu jeito inteligente e modesto, sua singeleza e, óbvio, seu rosto de traços másculos e harmoniosos, seus dentes branquinhos, sua pinta de Gael Garcia Bernal. E tudo o que se vende ou se trata de Fábio de Melo é agora veiculado, preponderantemente à sua - muito, muito bem apessoada - imagem. Seu último show, no Canecão, Rio, reuniu , em grossa parcela, pessoas na faixa etária de 15 a 25 anos - estando contidas aí umas poucas e boas histéricas que, na vã esperança de desviar o homem de sua vocação, gritavam "lindo" da platéia.
O padre é pop. Não por escolha própria; mas pelo empurrão midiático em torno de sua figura. Novamente e como sempre, os veículos que disseminam a informação e a novidade voltam seus holofotes para o sangue fresco, o físico: esta matéria divinamente emprestada. Como se ela fosse mais importante do que aquilo que se tem a dizer. Em se tratando de pessoas que vivem da imagem, é relutantemente aceitável (minha visão). Mas e no caso da alma boa Fábio de Melo? Isso aconteceu - e acontece - também com Barack Obama. Sua forma jovem e esbelta foi vista como a personificação de uma provável mudança positiva em termos de E.U.A e mundo; enquanto seus programas nebulosos a cerca da política interna/externa permanecem velados por esta estúpida cortina construída à base de seu "carisma", sempre catapultando sua imagem warholizada à frente do conteúdo. Mas, voltemo-nos ao pop padre, com o perdão do próprio.
Não nego. Existe um parcial charme, com ares de volúpia imoral entremeados de pecado e danação eterna quando se olha para alguém que canaliza os anseios de Deus com desejo sexual (consenso culturalmente ocidental, nunca o meu). Eu mesma iria fácil no Fábio, muito fácil; mas acima de tudo, tenho profundo respeito por sua escolha, a ponto de nunca externalizar meu desejo por ele se um dia me encontrar diante dele, esse bom caminho inteiro. Vejo, em primeiro lugar, a densidade de suas canções, a potência de suas mensagens fantásticas, e realmente almejo que ele conquiste muitas pessoas com sua simplicidade, que visam o bem do próximo entre alguns outros valores nos quais ainda tenho fé. Depois, secretamente, me refestelo naquele olhar, que na ausência de uma definição pagã, é simplesmente divino...
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Circus
Há bastante tempo eu não ia a um circo. Um bocado por falta de oportunidade, outro tanto por desinteresse/desilusão - o Cirque du Soleil, na minha visão o melhor do mundo, é caro, caaaaro demais. Mas acontece que rolou, e recentemente fui a um.
O circo é uma arena mágica, povoada de sonhos e catarse. No picadeiro, a gravidade é uma tolice, e os seres que lá e somente lá habitam efemeramente são compostos basicamente de imaginação e pequeninos pedaços de papel picado na cor prata. É tudo às avessas; essa persiana encantada que oculta uma realidade secreta.
Se os artistas mambembes são astros sobre o palco, fora dele a coisa muda. Eles têm uma vida bem apertada, mas algo de luminoso permanece nos seus olhos. No caso do circo que eu fui, os mesmos artistas que realizavam as performances incríveis são aqueles que, nos intervalos, se vestem de gente ordinária e vão vender pipoca, churros, pastéis, guaraná natural e afins. E não mencionei a semi-gratuidade da entrada. Adultos, R$15, crianças R$5, por duas horas de espetáculo.
Há um quê de ilusionismo velado na estrada das trupes mambembes, há até sex appeal, eu diria - são homens e mulheres bem torneados, usando pouca roupa e, a excetuar pela muito provável hipótese de amizade entre eles, sabe Deus o que rola nos bastidores. No passado, o circo era visto como entretenimento pagão, por conta dos desafios visuais, das aberrações humanas - hoje em dia não mais utilizadas - da ilusão no geral propriamente dita. É claro que toda essa acepção morreu, mas, o imaginário coletivo ainda hoje fica impregnado de cegueira e sonho ao vislumbre da hipnótica dança de fumaça, movimento e luz que permeia os picadeiros em todo o mundo.
O circo é uma arena mágica, povoada de sonhos e catarse. No picadeiro, a gravidade é uma tolice, e os seres que lá e somente lá habitam efemeramente são compostos basicamente de imaginação e pequeninos pedaços de papel picado na cor prata. É tudo às avessas; essa persiana encantada que oculta uma realidade secreta.
Se os artistas mambembes são astros sobre o palco, fora dele a coisa muda. Eles têm uma vida bem apertada, mas algo de luminoso permanece nos seus olhos. No caso do circo que eu fui, os mesmos artistas que realizavam as performances incríveis são aqueles que, nos intervalos, se vestem de gente ordinária e vão vender pipoca, churros, pastéis, guaraná natural e afins. E não mencionei a semi-gratuidade da entrada. Adultos, R$15, crianças R$5, por duas horas de espetáculo.
Há um quê de ilusionismo velado na estrada das trupes mambembes, há até sex appeal, eu diria - são homens e mulheres bem torneados, usando pouca roupa e, a excetuar pela muito provável hipótese de amizade entre eles, sabe Deus o que rola nos bastidores. No passado, o circo era visto como entretenimento pagão, por conta dos desafios visuais, das aberrações humanas - hoje em dia não mais utilizadas - da ilusão no geral propriamente dita. É claro que toda essa acepção morreu, mas, o imaginário coletivo ainda hoje fica impregnado de cegueira e sonho ao vislumbre da hipnótica dança de fumaça, movimento e luz que permeia os picadeiros em todo o mundo.
Cariocas, afinal
Comecei a pensar nisso depois de ler uma entrevista com Maria Padilha para a Revista O Globo de domingo. Em determinado trecho, ela brilhantemente argumenta: "[...] Para eles, no fundo eu não passava de uma carioca. O carioca tem essa coisa no Brasil inteiro: a gente pode se esforçar, dar tudo o que tem, que no fundo eles vão sempre ver a gente assim: 'É carioca.'"
Eu sei, essa afirmação é tão completa que dispensa comentários posteriores. Mas acho que Maria sintetiza, nessa única frase, a impressão geral do carioca, que o acompanha feito sombra, onde quer que ele esteja situado - aqui ou lá fora. No caso do carioca, o gentílico chega na frente da própria pessoa. Ela é, antes de tudo, carioca. É um sei lá. Um chegar ligeiramente sambado, um menear de cabeça diferente. A gostosa malandragem do subúrbio. Uma pitada de água salgada e areia no olhar. Uma gesticulação relaxada, nunca desatenta; uma gargalhada espontânea, até quando se ri fora de contexto. O carioca tem essa coisa. Se adapta ao ambiente, ri e bebe junto, mas sem nunca perder sua identidade. Digo isso até com base na minha experiência de vida. Não viajei o Brasil todo, mas já fui aos extremos do país, e pude constatar exatamente isso que a Maria Padilha se refere em sua colocação. Nós já somos olhados de maneira diferente. Com uma certa admiração, curiosidade, despeito; um misto de coisas que residem exclusivamente na mente dos não-cariocas, e que afloram diante da imagem materializada de um carioca da gema. Ah, essa é a hora oportuna para desfazer alguns dos muitos mitos em torno do carioca. Nem todo carioca é um nighteiro insaciável. Tá, baladeiro se preferir. Carioca não passa informação errada pra paulista perdido em plena Rio Branco. Carioca não é marrento, nem odeia paulista, apesar de eu desconfiar que o contrário é bem possível. Entre outros milhares de clichês negativos envolvendo a nós, os cariocas.
Apesar do que possa parecer, esse não é um texto a fim de enaltecer os naturais do Rio de Janeiro. Que nada. Esse texto visa, apenas, desdobrar o comentário de Padilha, mais preciso impossível, que ficou na minha cabeça, e observa o carioca por uma perspectiva diferente das saturadas; nu de críticas ou elegias, na absoluta neutralidade. Porque o carioca é, acima de tudo, um pobre estigmatizado, um cidadão-símbolo máximo de sua cidade e assim será visto onde quer que se encontre, involuntariamente; pois a fama do Rio corre na mesma velocidade que a do próprio carioca. Fazer o que? Cariocas, afinal.
Eu sei, essa afirmação é tão completa que dispensa comentários posteriores. Mas acho que Maria sintetiza, nessa única frase, a impressão geral do carioca, que o acompanha feito sombra, onde quer que ele esteja situado - aqui ou lá fora. No caso do carioca, o gentílico chega na frente da própria pessoa. Ela é, antes de tudo, carioca. É um sei lá. Um chegar ligeiramente sambado, um menear de cabeça diferente. A gostosa malandragem do subúrbio. Uma pitada de água salgada e areia no olhar. Uma gesticulação relaxada, nunca desatenta; uma gargalhada espontânea, até quando se ri fora de contexto. O carioca tem essa coisa. Se adapta ao ambiente, ri e bebe junto, mas sem nunca perder sua identidade. Digo isso até com base na minha experiência de vida. Não viajei o Brasil todo, mas já fui aos extremos do país, e pude constatar exatamente isso que a Maria Padilha se refere em sua colocação. Nós já somos olhados de maneira diferente. Com uma certa admiração, curiosidade, despeito; um misto de coisas que residem exclusivamente na mente dos não-cariocas, e que afloram diante da imagem materializada de um carioca da gema. Ah, essa é a hora oportuna para desfazer alguns dos muitos mitos em torno do carioca. Nem todo carioca é um nighteiro insaciável. Tá, baladeiro se preferir. Carioca não passa informação errada pra paulista perdido em plena Rio Branco. Carioca não é marrento, nem odeia paulista, apesar de eu desconfiar que o contrário é bem possível. Entre outros milhares de clichês negativos envolvendo a nós, os cariocas.
Apesar do que possa parecer, esse não é um texto a fim de enaltecer os naturais do Rio de Janeiro. Que nada. Esse texto visa, apenas, desdobrar o comentário de Padilha, mais preciso impossível, que ficou na minha cabeça, e observa o carioca por uma perspectiva diferente das saturadas; nu de críticas ou elegias, na absoluta neutralidade. Porque o carioca é, acima de tudo, um pobre estigmatizado, um cidadão-símbolo máximo de sua cidade e assim será visto onde quer que se encontre, involuntariamente; pois a fama do Rio corre na mesma velocidade que a do próprio carioca. Fazer o que? Cariocas, afinal.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
Macete, esse conveniente
Esse post é de completa inutilidade, se você desejar previamente saber. Logo, teje sobreavisado que esta leitura tomará uns 3 ou 4 minutos da sua vida, sem lhe oferecer nada suficientemente relevante em troca. Mas, se você se aventura, vamo que vamo.
Quem nunca - eu disse nunca mesmo - teve qualquer aparelho eletrônico, eletrodoméstico ou afins que pegasse à base de macete? Aquela posiçãozinha estratégica, inconfundivelmente sua, de fazer funcionar? Até com roupa isso funciona. Um pique aqui, um amarradinho secreto ali, e tudo se arranja, com requintes de pirilimpimpim. A milenar ciência do improviso. Fantástica e funcional por excelência.
Entretanto, a comodidade do macete é limitada. Nem sempre o macete tem uma durabilidade confiável ou eterna - visto que ele não era nem pra existir, se o aparelho em questão fosse de qualidade impecável. Esse infortúnio nos obriga, então, a procurar autorizadas ou consertos não-licenciados e menos nobres para reparar os danos provinientes da inerente ineficiência das nossas aquisições. Eu tenho uma teoria. Acredito que alguns eletrodomésticos e derivados já chegam ao consumo das massas estrategicamente falhos, para que rendam mais dinheiro à empresa caso o proprietário de tal aparelho - esse trouxa - vá procurar a autorizada. Justiça neles! (Pior que nem dá, não existe nenhum argumento legal aí, visto que isso tudo não passa de uma hipótese minha.)
O que importa é que graças a Deus o macete foi inventado; esse malandro, essa maneira prática de se virar. Apesar do certo incômodo de se ficar segurando ou pressionando determinada área do objeto em uso algumas vezes, - meu MP5 é um caso: para que os dois alto-falantes funcionem simultaneamente, tenho que apertar a entrada dos headphones - ele nos salva, ainda que por tempo limitado. Uma verdade é certa: se uma escola de macetes fosse inaugurada, seria o fim de todas as autorizadas e casas de conserto, na certa.
Quem nunca - eu disse nunca mesmo - teve qualquer aparelho eletrônico, eletrodoméstico ou afins que pegasse à base de macete? Aquela posiçãozinha estratégica, inconfundivelmente sua, de fazer funcionar? Até com roupa isso funciona. Um pique aqui, um amarradinho secreto ali, e tudo se arranja, com requintes de pirilimpimpim. A milenar ciência do improviso. Fantástica e funcional por excelência.
Entretanto, a comodidade do macete é limitada. Nem sempre o macete tem uma durabilidade confiável ou eterna - visto que ele não era nem pra existir, se o aparelho em questão fosse de qualidade impecável. Esse infortúnio nos obriga, então, a procurar autorizadas ou consertos não-licenciados e menos nobres para reparar os danos provinientes da inerente ineficiência das nossas aquisições. Eu tenho uma teoria. Acredito que alguns eletrodomésticos e derivados já chegam ao consumo das massas estrategicamente falhos, para que rendam mais dinheiro à empresa caso o proprietário de tal aparelho - esse trouxa - vá procurar a autorizada. Justiça neles! (Pior que nem dá, não existe nenhum argumento legal aí, visto que isso tudo não passa de uma hipótese minha.)
O que importa é que graças a Deus o macete foi inventado; esse malandro, essa maneira prática de se virar. Apesar do certo incômodo de se ficar segurando ou pressionando determinada área do objeto em uso algumas vezes, - meu MP5 é um caso: para que os dois alto-falantes funcionem simultaneamente, tenho que apertar a entrada dos headphones - ele nos salva, ainda que por tempo limitado. Uma verdade é certa: se uma escola de macetes fosse inaugurada, seria o fim de todas as autorizadas e casas de conserto, na certa.
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
Auto-retrato zero nove
Sou de uma natureza perigosa. Aliás, a mais perigosa possível, porque sou uma pequena mulher consistentemente inconstante. De lua, como velam os populares. Nunca estou com o mesmo humor dois dias seguidos - às vezes até me pergunto que tipo de graça teria isso. Não como pelas beiradas. Não ando em bandos. Não sou bicho pra andar em manada. Sabe, eu me garanto. E saio sozinha, mesmo. Não ando pelos cantos. Se é pra fazer alguma coisa, qualquer coisa, eu não sondo; eu me entrego, me atiro mesmo, e isso é decididamente um grande defeito da minha parte. Tá, mea culpa, logo, não se meta, não me julgue. Não tente me compreender.
Caminho a passos largos, não perco meu tempo. Tenho certo medo do futuro, e quem não tem? Não quero despejar sobre este incauto que lê minhas ridículas e aleatórias auto-definições um pesado marasmo de clichês, isso aqui não é nenhuma porra de panorama antropológico sobre minha parca psique, nem fajutas confissões de ode ao tédio que agora me sorve por completo (afinal, para escrever deliberadamente sobre si mesmo, admitamos, o ócio é requerido) - não. Isso é só um pedaço de mim.
Seria falacioso dizer que não gostode elogios. E muito. Por influência zodíaca, por si só já apresento um agravante - o ego dos leoninos é o maior de todos. E fora que parece haver em mim um quê de narcisismo doentio, como se tudo o que eu fizesse, achasse, dissesse, vestisse, pensasse fosse digno de, no mínimo, uma ovação (que acho perfeitamente ilustrada num verso de Ivan Lins: "ela tem perto dela um mundo inteiro, e à volta outro mundo admirado"). Acho que foi tanto o esforço para que eu fosse uma menina bem criada, Ana Líbia-durma-cedo, Ana Líbia-coma-brócolis, Ana Líbia-durma-cedo, Ana Líbia-tome-banho, Ana Líbia-não-suba-na-árvore que, só de sacanagem, o acaso e eu, de mãos dadas, pactuamos com a transgressão, fosse por puro hobby, fosse pelo irresistível apelo da contramão. Não que eu seja mal educada. Descortês. Rude de graça. Acontece que (penso eu) os cigarros, as topadas, as trepadas - algumas desnecessárias -, uns poucos porres; tudo isso vem pra somar. Porque, afinal, o que sou eu hoje senão a soma inescapável de todas as Anas que eu fui um dia, sem pena, vergonha ou economias?
A título de curiosidade, minha mãe acha - e vive jogando na minha cara - que sou uma pseudo-intelectual miserável. Minha irmã, ainda não sei. Meu namorado crê que sou dona de um bom coração, e que meu temperamento arredio é uma falsa rebeldia, só pra ocultar a pieguice de se pensar nos outros nos dias de hoje. Meu pai é um cara que investe, no ano letivo, uns 60 reais por semana na linha Rio Minho, acreditando que ao final de quatro penosos anos, esse esmero transformará sua incipiente filha numa competente professora de inglês. Quanto a mim mesma, as únicas coisas que dá pra adiantar é que me conheço bem, apesar de ser um manancial de (des)troços que não consigo definir. Uma mescla de apostasia com uma esperança quase irônica de tão besta, que brota, novinha em folha, no sorriso do Thales. Ah, esse último tem sete anos. E me acha muito esperta, mané!
Caminho a passos largos, não perco meu tempo. Tenho certo medo do futuro, e quem não tem? Não quero despejar sobre este incauto que lê minhas ridículas e aleatórias auto-definições um pesado marasmo de clichês, isso aqui não é nenhuma porra de panorama antropológico sobre minha parca psique, nem fajutas confissões de ode ao tédio que agora me sorve por completo (afinal, para escrever deliberadamente sobre si mesmo, admitamos, o ócio é requerido) - não. Isso é só um pedaço de mim.
Seria falacioso dizer que não gostode elogios. E muito. Por influência zodíaca, por si só já apresento um agravante - o ego dos leoninos é o maior de todos. E fora que parece haver em mim um quê de narcisismo doentio, como se tudo o que eu fizesse, achasse, dissesse, vestisse, pensasse fosse digno de, no mínimo, uma ovação (que acho perfeitamente ilustrada num verso de Ivan Lins: "ela tem perto dela um mundo inteiro, e à volta outro mundo admirado"). Acho que foi tanto o esforço para que eu fosse uma menina bem criada, Ana Líbia-durma-cedo, Ana Líbia-coma-brócolis, Ana Líbia-durma-cedo, Ana Líbia-tome-banho, Ana Líbia-não-suba-na-árvore que, só de sacanagem, o acaso e eu, de mãos dadas, pactuamos com a transgressão, fosse por puro hobby, fosse pelo irresistível apelo da contramão. Não que eu seja mal educada. Descortês. Rude de graça. Acontece que (penso eu) os cigarros, as topadas, as trepadas - algumas desnecessárias -, uns poucos porres; tudo isso vem pra somar. Porque, afinal, o que sou eu hoje senão a soma inescapável de todas as Anas que eu fui um dia, sem pena, vergonha ou economias?
A título de curiosidade, minha mãe acha - e vive jogando na minha cara - que sou uma pseudo-intelectual miserável. Minha irmã, ainda não sei. Meu namorado crê que sou dona de um bom coração, e que meu temperamento arredio é uma falsa rebeldia, só pra ocultar a pieguice de se pensar nos outros nos dias de hoje. Meu pai é um cara que investe, no ano letivo, uns 60 reais por semana na linha Rio Minho, acreditando que ao final de quatro penosos anos, esse esmero transformará sua incipiente filha numa competente professora de inglês. Quanto a mim mesma, as únicas coisas que dá pra adiantar é que me conheço bem, apesar de ser um manancial de (des)troços que não consigo definir. Uma mescla de apostasia com uma esperança quase irônica de tão besta, que brota, novinha em folha, no sorriso do Thales. Ah, esse último tem sete anos. E me acha muito esperta, mané!
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