O que o eu contemporâneo deseja? A câmera criou a cultura da celebridade; o
computador está criando a cultura da conectividade. Conforme as duas
tecnologias convergem - redes sociais expandindo
a teia de uma interconexão sem precedentes - as duas culturas traem o impulso
comum. A celebrização da vida privada e a conectividade são duas maneiras de se
tornar conhecido. Isto é o que o eu contemporâneo deseja. Ele deseja ser
reconhecido, deseja estar conectado; ele deseja ser visível. Se não aos
milhões, no Survivor ou na Oprah, então às centenas, no Twitter ou Facebook.
Esta é a qualidade que nos valida, isto é como nós nos tornamos reais para nós
mesmos - sendo vistos pelos outros. O grande terror contemporâneo é o
anonimato. Se Lionel Trilling estava certo, se a propriedade que baseava o eu,
no Romantismo, era a sinceridade, e no Modernismo era a autenticidade, então no
pós-modernismo se trata da visibilidade.
Vivemos exclusivamente em relação com os outros, e o que desaparece das nossas
vidas é a solidão. A tecnologia está levando nossa privacidade e nossa
concentração, mas também está levando nossa habilidade de ficar sozinhos. Embora
eu não deva dizer "levando". Nós estamos fazendo isto conosco; nós
estamos nos livrando destas riquezas o mais rápido que conseguimos. Fiquei
sabendo, por um parente seu mais velho, que uma adolescente que conheço tinha
mandado 3.000 mensagens de texto no último mês. Isto quer dizer 100 mensagens
por dia, ou mais ou menos uma a cada 10 minutos, manhã, tarde e noite, finais
de semana e finais de semana, na hora da aula, na hora do almoço, na hora da
lição de casa, e mesmo na hora de escovar os dentes. Então, em média, ela nunca
fica sozinha por mais de dez minutos. O que significa que ela nunca está
sozinha.
Uma vez perguntei aos meus alunos sobre o lugar que a solidão tinha em suas
vidas. Uma admitiu que achava a ideia de ser só tão perturbadora que ela se
sentaria com um amigo mesmo quando tivesse um artigo para escrever. Outro
disse, "por que alguém gostaria de ficar sozinho?"
Para esta notável pergunta, a história oferece um número de respostas. O homem
pode ser um animal social, mas a solidão é, tradicionalmente, um valor social.
Em particular, o ato de ficar sozinho vem sido entendido como uma dimensão
essencial da experiência religiosa, embora restrita a um eu cautelosamente
selecionado. Através da solidão de raros espíritos, o coletivo revigora sua
relação com o divino. O profeta e o ermitão, o andarilho e o praticante de ioga
saem em busca de suas visões, convidam a seus transes, no deserto, na floresta,
ou na caverna.
Ainda, vozes discretas falam apenas no silêncio. A vida social é um amálgama de
questões pequenas, um atropelo de interesses cotidianos, e instituições
religiosas não são exceção. Você não pode ouvir Deus quando as pessoas estão
conversando perto de você, e a palavra divina e seus anseios, não obstante, se
turva ao descer entre o monarca e o sacerdote. A experiência comum é a regra
humana, mas o encontro solitário com Deus é o ato sublime que renova a norma. (Sublime,
porque homem algum é profeta em sua terra natal. Tiresias foi condenado antes
de ser absolvido; Teresa interrogada antes de ser canonizada.) A solidão
religiosa é um tipo de mecanismo social de autocorreção, uma maneira de
extinguir o mundano do hábito moral e do costume religioso. O visionário
retorna com novas tábulas ou novas danças sua
face brilhante com a velha verdade.
Assim como outros valores religiosos, a solidão foi democratizada pela Reforma
e secularizada pelo Romantismo. Na interpretação de Marilynne Robinson, o
Calvinismo criou o eu moderno focando o interior da alma, deixando-o ao
encontro de Deus, como o profeta do velho, em "profundo isolamento".
Em sua enumeração de Calvino, Marguerite de Navarre e Milton como captaneadores
do eu moderno inicial, nós podemos acrescentar Montaigne, Hamlet, e até Dom
Quixote. O último nos alerta ao papel essencial da leitura nesta transformação,
a imprensa impressa se prestando à uma função análoga no século XVI e nos
subsequentes como a televisão e a internet no nosso próprio. A leitura, como
Robinson coloca, "é um ato de grande introspecção e subjetividade."
"A alma encontra a si mesma na resposta a um texto, primeiro em Gênesis ou
em Matheus, e então em Paraíso Perdido ou Folhas de Relva." Com o Protestantismo
e a impressão, a busca pela voz divina se tornou disponível, e no limiar, quase
obrigatória, para todos.
Mas é com o Romantismo que a solidão atinge seu ápice de saliência cultural, se
tornando tanto literal quanto literária. A solidão protestante ainda é apenas
figurada. Rousseau e Wordsworth a tornaram física. O eu agora é encontrado não
em Deus, mas na Natureza, e para encontrar a Natureza é preciso ir à ela. E ir
à ela com uma sensibilidade especial: o poeta desloca o santo como visionário social
e modelo cultural. Mas por conta do Romantismo ter herdado a ideia de empatia
social característica do século XVIII, a solidão Romântica existe numa relação
dialética com a sociabilidade - se menos para Rousseau, ainda menos para
Thoreau, o solitário mais famoso de todos; e então certamente para Wordsworth,
Melville, Whitman e muitos outros. Para Emerson, "a alma se cerca de
amigos, que talvez entrem numa autoconsciência maior ou solidão, e ela segue
só, por uma temporada, que pode exaltar sua conversação ou sociedade.”
O modernismo dissocia esta dialética. Sua noção de solidão é mais dura,
mais adversa, mais isolante. Como um modelo do eu e suas interações, a empatia
social de Hume abre caminho para a espessa parede de personalidade de Pater e
ao narcisismo de Freud - a ideia de que a alma auto-encerrada e a
inacessibilidade aos outros não escolhe outra coisa se não ficar só. Com
exceções, como Woolf, os modernistas tentaram evitar a amizade. Joyce e Proust
desdenharam dela, D.H. Lawrence estava fatigado dela; e as duplas modernistas -
Conrad e Ford, Eliot e Pound, Hemingway e Fitzgerald - todos juntos muito mais
descolados que seus contrapartes românticos. O mundo agora era entendido como
um assalto do eu, e com uma boa razão.
O ideal romântico da solidão desenvolveu, em parte, uma reação à emergência da
cidade moderna. No modernismo, a cidade não só é mais ameaçadora que nunca; ela
se torna inescapável, um labirinto: a London de Eliot; a Dublin de Joyce. A
plebe, a massa humana se acotovela. O inferno são os outros. A alma é forçada a
voltar-se para dentro - daí o desenvolvimento de uma forma mais austera, mais
combativa de auto-validação, a "autenticidade" de Trilling, onde a
relação essencial se dá apenas do eu consigo mesmo. (Assim como há poucas boas
amizades no modernismo, há também poucos bons casamentos.) A solidão se torna,
então, mais do que nunca, a arena do auto-descobrimento heroico; uma viagem
pelos reinos interiores tornados vastos e aterrorizantes pelos insights
nietzcheanos e freudianos. Alcançar a autenticidade é olhar por sobre estas
visões sem vacilar; o exemplo de Trilling aqui é Kurtz. A auto-examinação
protestante se torna análise freudiana, e a cultura do herói, uma vez o profeta
de Deus e então o poeta da Natureza, é agora o romancista do eu - um Dostoievsky,
um Joyce, um Proust.
Mas nós não estamos mais numa cidade modernista, e nosso grande medo não é a
submersão pela massa, mas o isolamento da manada. A urbanização deu lugar à
suburbanização, e com isso, a ameaça universal da solidão. O que as tecnologias
de transporte exacerbaram - nós podemos viver mais e mais separados - as
tecnologias da comunicação compensaram - nós podemos ficar mais e mais
próximos. Ou, pelo menos, assim imaginamos. A primeira dessas tecnologias, o
primeiro simulacro de proximidade, foi o telefone. “Vá além e alcance alguém”. Mas ao longo dos anos 70 e 80, nosso isolamento cresceu. Os subúrbios,
se alastrando progressivamente, se tornaram exúrbios. Famílias
se tornaram menores ou se estilhaçaram; mães deixaram as casas para trabalhar.
A lareira eletrônica se torna a televisão em cada sala. Mesmo na infância, e
certamente na adolescência, nós estamos presos dentro de nossos casulos. (Gráficos
da violência vão às alturas, e ainda mais nitidamente, os de pânico moral,
colocando as crianças longe das ruas.) A ideia de que se pode ir lá fora e dar
uma volta pela vizinhança, um dia questionável, agora se torna impensável. A
criança que cresceu no contexto da segunda guerra mundial como parte da
extensão familiar dentro de uma comunidade urbana extremamente fechada se
tornou a avó do garoto que se senta sozinho em frente a uma enorme televisão,
numa casa enorme, dentro de uma propriedade enorme. Nós nos perdemos no espaço.
Dentro destas circunstâncias, a Internet surge como uma bênção incalculável.
Nós nunca devemos esquecer disso. Ela possibilitou às pessoas isoladas se
comunicarem umas com as outras, e às marginalizadas se encontrarem (...). Mas
conforme a dimensionalidade da Internet se expandiu, ela rapidamente se tornou
boa demais para ser verdade. Há dez anos atrás nós escrevíamos e-mails na área
de trabalho dos computadores e os enviávamos via conexões discadas. Agora
mandamos mensagens dos nossos celulares, postamos fotos em nossos Facebooks, e
seguimos completos estranhos no Twitter. Um fluxo constante de contato mediado,
virtual, nocional ou simulado, nos mantém ligados a uma colméia eletrônica -
apesar de "contato", pelo menos contato em via de mão-dupla, parecer
estar sendo deixado de lado. O objetivo agora, ao que parece, é simplesmente
se tornar conhecido, se converter numa espécie de minicelebridade. Quantas
pessoas estão lendo o meu blog? Quantas buscas o meu nome gera no Google? A
visibilidade assegura a nossa autoestima, se tornando um substituto para a
conexão genuína. Não há muito tempo atrás, era fácil se sentir só. Agora, é
impossível ficar sozinho.
Como resultado, nós estamos perdendo os dois lados da dialética
romântica. O que a amizade significa quando você tem 532 "amigos"? De
que maneira esse dado aumenta meu senso de proximidade quando meu feed de
notícias no Facebook me diz que Sally Smith (que eu não vejo desde o ginásio, e
que não era tão próxima assim de mim mesmo naquela época) "está fazendo
café e contemplando o vazio"? Meus alunos me disseram que têm pouco tempo
para intimidade. E é claro, eles não têm tempo algum para a solidão.
Mas ao menos a amizade, senão a intimidade, ainda é algo que eles desejam. Tão
chocante quanto essa nova dispensa pode ser para as pessoas na casa dos 30 ou
40, o problema real é que isto se tornou absolutamente comum para adolescentes
e pessoas na faixa dos 20 anos. Os jovens, hoje, parecem não ter qualquer
desejo pela solidão, nunca ouviram falar nela, não conseguem imaginar o porquê
de tê-la. Na verdade, o uso que fazem da tecnologia - ou, pra ser justo, o uso
que fazemos da tecnologia - aparenta envolver um esforço constante de prevenção
da mera possibilidade da solidão; uma tentativa contínua, conforme nos sentamos
sozinhos em nossos computadores, de manter a presença imaginária dos outros. Há
muito tempo atrás, lá em 1952, Trilling escreveu sobre "o medo moderno de
ser cortado do círculo social mesmo por um instante." Agora nos equipamos
com os meios afim de prevenir que este medo jamais se materialize. O que não
significa que demos um fim a ele. Muito pelo contrário. Lembre-se da minha aluna,
que não conseguia nem escrever um trabalho sozinha. Quanto mais mantemos a
solidão à margem, menos conseguimos lidar com ela e mais aterrorizadora ela se
torna.
Ao que me parece, esta é uma analogia com a experiência da geração anterior
ante ao tédio. Essas duas emoções, a solidão e o tédio, são estreitamente
alinhadas. Ambas são características modernas. As primeiras citações no
dicionário de Oxford de cada palavra, pelo menos no sentido contemporâneo,
datam do século XIX. A Suburbanização[1] pela eliminação do estímulo, bem como a socialização da vida urbana ou
interiorana tradicional, exacerbou a tendência de ambas. Mas a grande Era do
Tédio, acredito, vem com a televisão, precisamente porque a televisão foi
designada como paliativo a esse sentimento. O tédio não é necessariamente uma
consequência de não se ter nada pra fazer; é apenas a experiência negativa
deste estado. A televisão, por evidenciar a necessidade de aprender como fazer
uso da falta de atividade, radicalmente impede as pessoas de descobrirem como
aproveitá-la. Na verdade, ela alimenta uma noção de temor sobre essa condição,
seu prospecto intolerável. Você fica apavorado com a ideia de ficar entediado -
e então você liga a televisão.
Falo com propriedade. Eu cresci nos anos 60 e 70, a era da televisão. Fui
treinado para ficar entediado; o tédio era cultivado em mim como valioso
produto. (Já foi dito por aí que a sociedade de consumo deseja nos condicionar
ao tédio, uma vez que é ele quem cria o mercado do estímulo.) Levei anos para
descobrir – e meu sistema nervoso nunca irá se ajustar totalmente a essa ideia,
eu ainda preciso lutar contra o tédio, estou permanentemente corrompido quanto
a isso – que não ter nada pra fazer não necessariamente precisa ser algo ruim.
A alternativa ao tédio é o que Whitman chamou de ociosidade[2] : uma recepção
passiva ao mundo. E assim é com a experiência da geração
atual em ficar sozinho: este é precisamente o reconhecimento implícito na ideia
de solidão; que é para a solidão o que a ociosidade é para o tédio. Solidão não
é a ausência de companhia, é o sofrimento sobre a ausência. Uma ovelha perdida
está só; o rebanho não está sozinho. Mas a Internet é uma máquina poderosa na
produção da solidão como é a televisão na manufatura do tédio. Se seis horas de
televisão por dia criam aptidão para o tédio, a inabilidade de ficar consigo,
uma centena de mensagens de texto por dia cria a aptidão para a solidão, a
inabilidade de ficar consigo. É de se esperar algum grau de tédio e solidão,
especialmente entre pessoas jovens, dada a forma com a qual nosso ambiente
humano tem se amortizado. Mas a tecnologia amplifica essas tendências. Dava pra
ligar pros meus colegas de classe quando eu era adolescente, mas não dava pra
fazer isso 100 vezes por dia. Dava pra curtir com meus amigos quando eu estava
na faculdade, mas não dava pra fazer isso sempre que eu quisesse pelo simples
fato de que não era possível sempre encontrá-los. Se o tédio é a grande emoção
da geração da TV, a solidão é a grande emoção da geração da Web. Nós perdemos a
habilidade contemplativa, nossa capacidade para
a ociosidade. Eles perderam a habilidade de ficarem a sós consigo, a capacidade
para a solidão.
E ao perder a solidão, o que eles perderam? Primeiro, a propensão à
introspecção, aquela avaliação do eu que os puritanos, os românticos e os
modernistas (e Sócrates, portanto), situaram no centro da vida espiritual – de
sabedoria, de conduta. Thoreau chamou isso de pesca “no lago de Walden das
(nossas) própria naturezas”, “arma(ndo)nossos anzóis para (com) a escuridão.” Perdida, também, está a tendência
para sustentar a leitura. A internet trouxe o texto de volta ao mundo
televisual, mas o fez em termos ditados por este mundo – ou seja, por seu
remapeamento, nossa atenção se fragmenta. Ler, agora, significa dinamizar e
compactar ao extremo; cinco minutos na mesma página é considerado uma
eternidade. Esta não é a leitura conforme descreve Marilynne Robinson: o
encontro com o segundo eu no silêncio da solidão mental.
Mas nós não acreditamos mais na mente solitária. Se os românticos tinham Hume,
e os modernistas tinham Freud, o atual modelo psicológico – e essa constatação
deveria surgir sem surpresas – é o da mente interligada ou mente social. A
psicologia evolucionária diz que nossos cérebros se desenvolveram para
interpretar sinais sociais complexos. De acordo com David Brooks, o índex do
zeitgeist social-científico, cientistas cognitivos dizem que “nossas decisões
são poderosamente influenciadas pelo contexto social”; neurocientistas, que nós
temos “mentes permeáveis” que funcionam, em parte, por um processo de “profunda
imitação”; que “nós somos organizados por nossos afetos”; sociólogos, que nosso
comportamento é afetado pelo “poder das redes sociais.” A mais refinada das
implicações é de que não há espaço mental que não seja social (a ciência
social-contemporânea se encaixando aqui com a crítica teórica pós-moderna). Um dos fatos mais impressionantes sobre o modo como
os jovens se relacionam hoje é de que eles não parecem acreditar mais na
existência da escuridão proposta por Thoreau.
A página do MySpace, com sua tipografia gritante e imagens apelativas, tem
substituído o jornal e as letras afim de criar e comunicar a essência do eu. A
sugestão não é apenas que tal comunicação seja feita ao mundo ostensivamente em
detrimento de si mesmo ou às pessoas íntimas de alguém, ou graficamente mais
que verbalmente, ou performaticamente mais que narrativamente, ou
analiticamente; mas também de modo que isto possa ser feito completamente. Os
jovens de hoje parecem sentir que podem se tornar completamente reconhecidos
uns pelos outros. Parecem não ter noção de até onde vão suas próprias
profundezas, e o valor de manterem-nas escondidas.
Se eles a tivessem, entenderiam que a solidão possibilita assegurar a
integridade do eu bem como explorá-la. Poucos demonstraram isto de maneira mais
bonita que Woolf. Pelo meio de Mrs. Dalloway, entre suas andanças pelas ruas e
a organização da festa, entre o amálgama urbano e o amálgama social, Clarissa
ascende, “como uma freira se retirando”, ao seu
quarto no sótão. Como uma freira: Ela retorna a um estado que ela mesma
considera como um tipo de virgindade. Isto não significa que ela seja uma
puritana. A virgindade é, tradicionalmente, o sinal externo de uma
inviolabilidade espiritual, de um eu imaculado pelo mundo, uma alma que
preservou sua integridade por meio da recusa ao se rebaixar ao caos e à
autodivisão através de relações sociais e sexuais. É a marca do santo e do
monge, de Hipólito, de Antígona, de Joana d’Arc. A solidão é tanto a imagem
social deste estado quanto os meios pelos quais nós podemos nos aproximar dela. Em Mrs. Dalloway, a imagem suprema da dignidade da
solidão em si é a velha a quem Clarissa observa de sua janela. “Aqui havia um quarto”,
ela pensa, “ali, outro.” Não somos seres meramente sociais. Nós também existimos
em separado; cada um, uno, cada um sozinho em nosso quarto, cada um
milagrosamente existindo em nosso eu único e misteriosamente encerrado nesta individualidade.
Pra lembrar disto, manter-se à parte da sociedade é começar a pensar o caminho
para além dela. A solidão, diz Emerson, “é para o gênio o amigo austero.”
“Aquele que deve inspirar e liderar sua raça deve privar-se da companhia das
almas de outros homens; de viver, respirar, ler e escrever na cotidiana algema
comum de suas opiniões.” É preciso proteger a si mesmo da corrente do consenso
moral e intelectual – em especial, Emerson acrescenta, durante a juventude. “Deus
está sozinho,” disse Thoreau, “mas o Diabo, ele está longe de estar sozinho;
ele vê grande proveito na companhia, ele é legião.” A universidade era para ser
apreciada, Emerson acreditava, apenas se proviesse seus custos com “um quarto
individual e uma lareira” – o espaço físico da solidão. Hoje, claro, as
universidades fazem tudo quanto podem para privar seus estudantes de ficarem
sozinhos, para que não perpetrem atitudes autodestrutivas, e também, talvez,
pensamentos antiquados. Mas nenhuma excelência de verdade, pessoal ou social,
artística ou filosófica, científica ou moral, pode surgir sem solidão. “O santo
e o poeta buscam a privacidade,” Emerson diz, “para encerrar o mais público e
universal.” Nós nos voltamos à figura do visionário, buscando sinais para o
futuro, em esplêndido isolamento.
A solidão não é fácil e não é pra todo mundo. Indubitavelmente, nunca fora o
território de mais que uns poucos. “Acredito,” Thoreau diz, “que homens, de
modo geral, ainda têm um pouco de medo do escuro.” Teresa e Tiresias sempre
serão exceções, ou por assim dizer, em termos mais relevantes aos jovens – e
eles ainda existem – que preferem vagar e olhar pra dentro, que cantam enquanto
andam à batida de um baterista diferente. Mas se a solidão fenece enquanto
valor e ideia social, será que mesmo as exceções permanecerão possíveis? Ainda,
o indivíduo não tem o poder de reverter o curso da cultura. O indivíduo pode
salvar apenas a si mesmo – e tanto faz o que aconteça, ele ainda poderá sempre
fazer isso. No entanto, isto custa a apatia de ser impopular.
A última coisa a considerar sobre a solidão é que ela não é muito elegante.
Thoreau sabia que a “ambiguidade” que a solidão cultiva, a habilidade de dar um
passo para trás e observar a vida de forma desapaixonada, é capaz de nos tornar
um pouco desagradáveis aos nossos companheiros; não dizer nada e, na ofensa
implícita, evitar a companhia deles. No entanto, ele não se preocupou muito
quanto a ser cordial. Ele nem mesmo gostava de ter que falar com as pessoas
mais de três vezes por dia, durante as refeições; imagine só o que ele teria
feito das mensagens de texto. Nós, entretanto, fizemos da genialidade – o
sorriso fraco, o interesse educado, o convite falso – uma virtude cardinal. A
amizade pode ser escorregadia ao nosso controle, mas nossa amistosidade é
universal. Não é á toa que “gregário” significa “parte do coletivo.” Mas
Thoreau entendeu que salvaguardar a própria autonomia custava pequenas mágoas.
Provável que ele tivesse enxotado vizinhos, mas ao menos era seguro de si. Aqueles
que pretendem encontrar a solidão não devem ter medo de estarem sozinhos.
William Deresiewicz escreve ensaios e
críticas para uma variedade de publicações. Lecionou na Universidade de Yale de
1998 a 2008. Esta é uma versão compacta de um artigo publicado na The Chronicle
Review, em 30 de janeiro de 2009.
[1] No contexto americano, os subúrbios são bairros afastados dos grandes centros urbanos nos quais as classes mais abastadas localizam-se, diferentemente do Brasil, por exemplo.
[2]
idleness. conceito abundantemente explorado por Whitman, Thoreau, Emerson e outros. "Contemplação" é uma boa alternativa à palavra "ociosidade", mas dentro do texto torna-se ruidosa.
O texto completo pode ser encontrado em
http://chronicle.com/article/TheEnd-of-Solitude/3708
Tradução: Ana Líbia Fernandes, 09/11/2017